sexta-feira, 31 de maio de 2013

A Jornada 2: a psicologa e o engenheiro

Neste meio tempo eu fiz 10 anos de psicoterapia. Conheci a minha psi numa faculdade particular localizada no subúrbio do Rio de Janeiro. Descobri que faculdades de psicologia normalmente ofereciam de graça ou por um preço simbólico serviços de psicoterapia e orientação vocacional. A primeira era um horror, fraquíssima, mas por sorte eu só fiquei com ela uns 3 meses, porque já era final do ano letivo e acredito que se formaria e não mais atenderia no serviço de psicologia aplicada da faculdade.

Quando reiniciaram as aulas conheci a minha psi e esta, ao se formar, continuou o tratamento por um preço realmente baixo. Oficialmente era para ajudar na minha saga contra a obesidade sob uma ótica psicológica, dica do meu irmão número 3, mas adolescente tem tanta coisa para tratar que eu hoje acho que a obesidade se tornou um tema marginal. Das vezes que foi trabalhado o tema lembro que ela dizia que sempre que "só dependia de mim", tão bonito quanto vago. Nunca a vi questionar os métodos que os médicos usavam para atacar o problema que, curiosamente, também era dela. Mas, como ela mesma martelava, "só dependia dela".

Uma vez eu fui numa casa em Araras, distrito de Petrópolis, e conheci uma psicóloga nordestina que estava no Rio para participar de um congresso de uma linha da psicoterapia que eu não lembro qual era o nome. Normalmente os nomes de linhas psicoterápicas são pomposos e enigmáticos para um estudante de engenharia, mas era algo que de certa forma pregava um tratamento mais rápido que o convencional. De certa forma eles criticavam a linha psicoterápica que eu fazia. Não sei como a conversa chegou a este ponto, provavelmente porque eu disse que fazia terapia para tratar o meu excesso de peso, mas ela estufou o peito e disse:

- Eu te ajudo a resolver esta obesidade em 6 meses.

Profundo e convincente nos 2 segundos que durou entre a frase de efeito e a tragada num cigarro fedorento. Para mim, psicóloga que fuma é como personal trainer gordo.


A jornada 1: A saga que ainda não terminou

Quando o meu pai morreu, em 1978, o meu irmão mais velho, então com 26 anos, se tornou naturalmente o arrimo da família - descobri esta expressão, anos depois, se não me engano, num edital de concurso de admissão para uma escola militar. Era a única pessoa que a minha mãe dava ouvidos.

Um dia, provavelmente num final de semana, em 1984, ele parecia estar particularmente aborrecido com algo, talvez fruto do stress natural da profissão de jornalista, e, ao me ver passar pela sala, deu um tremendo e longo esporro por causa do meu peso. Lembro da cena, do medo, do constrangimento, da vergonha, da culpa. No entanto não lembro do texto, exceto uma parte que ele profetizava a dificuldade de arrumar emprego e, caso fosse demitido, de me recolocar no mercado de trabalho. Acho que ele estava se vendo em mim, e temia o meu futuro baseado no seu duro presente. Até hoje eu morro de medo de ficar desempregado e da miséria. É um fantasma, embora, nesses quase vinte anos trabalhando, nunca senti o fel da demissão.

Minha mãe levou-me a uma endocrinologista em Cascadura, bairro do subúrbio do Rio de Janeiro perto de Madureira. Nada surpreendente, mas inesquecível pela primeira vez. Me pesou (acho que ficou um pouco surpresa com o valor de 115kg que a balança Filizola indicava), pediu exames de sangue e depois passou uma dieta hipocalórica convencional. No primeiro mês eu perdi oficialmente 6,5kg. No segundo mês não lembro e no terceiro mês acho que engordei. Outro esporro, medo, constrangimento, vergonha e culpa.

Nesses quase trinta anos e muitos profissionais de saúde depois acredito que pouco mudou. A médica de Cascadura ainda clinica, surgiram novos remédios, a metodologia de avaliar a obesidade agora é o Índice de Massa Corporal, venenos como o abacate atingiram o posto de santos. Mas eu continuo olhando os médicos e vendo-os como a médica de Cascadura.

De 1984 até 1996 eu praticamente não fui a médicos para tratar desta doença, exceto uma época que eu me tratei no sistema público de saúde e fui acompanhado por uma nutricionista. Muda a expecialidade, mas o mantra hipocalórico que fracassou da primeira vez foi novamente proposto. Como é previsível, emagreci, engordei, mas não fui humilhado ou constrangido. Norma, a nutricionista, um doce de pessoa, não escondeu a frustração: "Você estava indo tão bem". Vergonha e culpa. Acho que cheguei a 104,5kg antes de voltar a engordar.

Não sou um homem de fugir das minhas resposabilidades e das consequências dos meus atos, mas pela ótica da ciência, se um método fracassa com a maioria das pessoas - e a dieta hipocalórica fracassou com a maioria das pessoas que eu conheço - o problema pode e deve estar na dieta, e não na pessoa que faz a dieta. Parece óbvio. Se um mecânico aplica um método para consertar um carro e este método falha na maioria das vezes, o problema está provavelmente no método ou no mecânico e não no carro. Mas a medicina não funciona assim. Ela se diz ciência, mas os médicos não aceitam ser questionados por quem não é do ramo e muitas vezes se apegam a dogmas sem nenhuma base científica. O resultado são pacientes desesperados, desistêntes, com sentimentos de culpa e revistas de dietas loucas.

"Emagreci 45kg com a dieta do chá africano"

Por volta de 1996 eu entrei em Furnas e passei a ter um plano de saúde maravilhoso. Voltei a tratar a minha doença e a médica escolhida lecionava numa faculdade de medicina e por isso estava sempre bem informada. Virei de certa forma um laboratório vivo a experimentar os mais diversos tratamentos com base... na dieta hipocalórica, porém com inovações: fui a primeira pessoa que eu conheço a fazer a dieta dos pontos, a tomar Cloridrato de dexfenfluramina ("Redux" ou "Isomeride" que posteriormente foi proibido no Brasil) e Sibutramina. Acho que fiquei tratando-me com esta médica até 2004 ou 2005. Neste tempo conheci a Luiza (acho que com 112kg), casei com a Luiza (acho que com 118kg) e sou muito feliz, a despeito da pressão da sociedade em vincular obesidade com infelicidade. Numa das últimas consultas com a médica-professora, depois de muito tempo sem aparecer e alguns quilos a mais, eu disse: "Nunca estive tão gordo, nunca estive tão feliz!" e acompanhava o seu olhar cético.

Mas, no fundo, eu sempre achava que um dia eu iria descobrir uma forma de emagrecer que fosse possível, que fosse de execução relativamente fácil e que tornasse uma pessoa normal. Eu procurava um Santo Graal das Dietas, um Ovo de Colombo. Em 2001 o Santo Graal parecia ser a cirurgia de redução do estômago.