quarta-feira, 2 de abril de 2014

Bolsa Classe Média

Em 31 de janeiro de 2007 foi lançado o edital para diversos cargos da ANAC, a Agência Nacional de Aviação Civil, e um dos cargos oferecidos era para “Especialista em Regulação”, com um salário de R$ 4.797,73. Em pouco mais de dois anos, no dia 22 de maio de 2009, um novo edital foi publicado para a mesma agência reguladora e novamente estavam contratando Especialistas em Regulação, mas com um salário 99% maior: R$ 9.552,00. A inflação em todo o ano de 2007 foi de 4,47% e a de 2008 foi de 5,9%. Podemos estimar que a inflação entre os dois editais não foi maior que 12%, no entanto não posso estimar qual foi o ganho de produtividade dos funcionários da ANAC no período, mas imagino que não tenha chegado nem perto de 77%. Concluo que houve um ganho real e bastante significativo e sem contrapartida de aumento da produtividade.

Se o aumento da produtividade no período fosse de 77% talvez o segundo concurso não fosse necessário.

O Especialista em Regulação da ANAC foi um exemplo que eu tinha lembrança, mas outros servidores do executivo federal receberam aumentos reais nos últimos anos. Nunca vi uma reclamação dos meus amigos da classe média sobre este assunto, nem mesmo os que trabalham na iniciativa privada. Faz sentido: servidores públicos são normalmente oriundos das famílias de classe média e ninguém gosta de fogo amigo.

Entre uma ou outra exasperante jornada de estudos para concurso público em busca de bons salários e estabilidade independente de produtividade e desempenho, a classe média costuma acessar o Facebook  para reclamar do Bolsa Família. A classe média, principalmente a de São Paulo, ama atacar com força este programa nas redes sociais. São incontáveis piadas, comentários, trocadilhos e insinuações.

“Toda família que tem renda per capita mensal informada no Cadastro Único inferior a R$ 70, recebe o Benefício Básico, no valor fixo de R$ 70. Além deste, todas famílias com renda mensal de até R$ 140 por pessoa e que tenham em sua composição filhos até 15 anos, recebem o Benefício Variável, no valor de R$ 32 por filho (até o limite de cinco filhos). Aquelas que tem filhos de 16 e 17 anos recebem o Benefício Variável Jovem (BVJ), no valor de R$ 38 por filho (até dois jovens). E ainda há os benefícios para gestantes e nutrizes, no valor de R$ 32 por mês, também.”

Pelo que eu compreendi, uma família com 3 filhos menores de 15 anos e renda per capita inferior a 140 reais por mês receberá R$ 96 por mês. Só. Com 3 reais por dia dá para comprar um litro de leite em caixinha diariamente para alimentar 3 crianças. Uma pessoa pode ganhar mais que isto pedindo esmolas no centro do Rio de Janeiro.

Mas vamos às críticas e nada melhor que ver o que os cartunistas produziram pois eles são ótimos captadores do sentimento da sociedade e das classes dominantes:

1) Avaliação positiva: o Bolsa Família evitaria que o filho ficasse viciado em drogas e a filha perdesse a infância se prostituindo. Não fica claro como o programa evitaria o vício das drogas para mim.


 2) Avaliação negativa: o Bolsa Família é para vagabundos, uma situação moralmente inferior à mendicância.


 3) Avaliação negativa: O Bolsa Família seria usado para influenciar o voto do eleitor que é beneficiado pelo programa.


4) Avaliação negativa: O Bolsa Família seria usado para influenciar o voto do eleitor que é beneficiado pelo programa


5) Avaliação negativa: O Bolsa Família e outros programas desestimulariam os beneficiários a procurar trabalho.



6) Avaliação negativa: O Bolsa Família e outros programas desestimulariam os beneficiários a procurar trabalho.
 
 

 7) Avaliação negativa: o Bolsa Família estimularia a natalidade entre os beneficiários.


8) Avaliação negativa: O Bolsa Família seria usado para influenciar o voto do eleitor que é beneficiado pelo programa


9) Avaliação negativa: o Bolsa Família é para vagabundos, uma situação moralmente inferior à mendicância.


10) Avaliação negativa: O Bolsa Família e outros programas desestimulariam os beneficiários a procurar trabalho. 


11) Avaliação negativa: O Bolsa Família e outros programas desestimulariam os beneficiários a procurar trabalho. 


12) Avaliação negativa: O Bolsa Família seria usado para influenciar o voto do eleitor que é beneficiado pelo programa 


13) Avaliação negativa: o Bolsa Família estimularia a natalidade entre os beneficiários.


14) Avaliação negativa: O Bolsa Família e outros programas desestimulariam os beneficiários a procurar trabalho e seria usado para influenciar o voto do eleitor que é beneficiado pelo programa 




15) Avaliação negativa: O Bolsa Família seria usado para influenciar o voto do eleitor que é beneficiado pelo programa 

 As piadas se repetem, como pode ser visto. vou resumir em três pontos:

(a) Incentivo ao ócio - O valor da Bolsa é 32 reais por filho. Uma pessoa que tenha 10 filhos receberia 320 reais, menos que a metade de um salário mínimo. Que trabalho é este que ele está se negando a fazer que remunera menos que meio salário mínimo? Se remunera menos que um salário mínimo este trabalho é, por definição, ilegal e tem que ser rejeitado e combatido. Ponto para o Bolsa Família!

(b) Influência no processo eleitoral - Se o Bolsa Família influencia o processo eleitoral a favor dos candidatos do governo então aumento de salário real acima da inflação sem contrapartida de aumento da produtividade também acarreta no mesmo fenômeno. As pessoas deveriam criticar os funcionários públicos que defendem o governo da mesma forma que criticam os beneficiários do Bolsa Família.

(c) Incentivo à natalidade - Não está comprovado que isto ocorre. Nunca vi um estudo comprovando que a natalidade aumentou entre os beneficiários do Bolsa Família. Pelo contrário, a taxa de natalidade da Brasileira vem caindo desde antes de 1979.

Novamente o que eu vejo é um grande preconceito contra o pobre pois para mim, ao pagar o imposto, não há muita diferença entre dinheiro gasto no Bolsa Família, dinheiro gasto num aumento imerecido e dinheiro gasto com corrupção. É dinheiro que saiu do meu bolso e, nos três casos, o dinheiro melhor aplicado e com melhor retorno social e econômico é o Bolsa Família.

Pense nisto quando compartilhar algo no Facebook: dar milhares de reais de aumento a um servidor público sem nenhuma contrapartida de produtividade não só pode como é ótimo, contudo dar 96 reais por mês a uma família miserável com 3 crianças pequenas supostamente seria, na visão tosca dessa gente, “formar vagabundos”, "comprar  votos” e muito mais.

Acabei de ver no Portal da Transparência o salário de um dos Especialistas em Regulação aprovados em 2007. Hoje ele ganha mais de R$ 15.000,00 brutos. Quando será o próximo concurso da ANAC?

terça-feira, 1 de abril de 2014

TOC, TOC, TOC

Sou da teoria que todo mundo tem um TOC. Os mais famosos talvez sejam os do cantor Roberto Carlos, mas se fizermos uma análise profunda acharemos vários pequenos TOCs nas profundezas do íntimo. Um dos meus TOCs prediletos é coleção de livros. Ver uma coleção incompleta incomoda e só existem dois caminhos possíveis: ou me desfaço da coleção ou tento achar os volumes que faltam.

Quando eu estava no final da infância ou início da adolescência o meu irmão número 4 costumava trazer para a casa uns pequenos livretos destinados à Escola Bíblica Dominical da Igreja Batista que ele frequentava. Cada capítulo do livreto era objeto de estudo de um encontro dominical da escola bíblica e a cada trimestre novos livretos chegavam. Os que chegavam às minhas mãos eram os livretos antigos, que provavelmente seriam descartados, mas úteis e interessantes. Numa segunda oportunidade, no meio da adolescência, eu recebi novas publicações graças a um amigo.




Dentro dos livretos sempre vinha na folha central a propaganda dos livros da editora JUERP e eu descobri que existia uma bela e onerosa coleção chamada “Comentário Bíblico Broadman”. Era linda, sóbria, imponente como um comentário bíblico deve ser. Doze volumes em capa dura marrom, com letras douradas em Times New Roman. Uma coisa de louco, amor à primeira vista. Só faltava o oniausente dinheiro.




Anos depois, adulto e trabalhando, eu voltei a me interessar pelo cristianismo e frequentava, em busca de um voo solo pelo conhecimento, as livrarias que a própria JUERP à época mantinha no centro do Rio de Janeiro e na Praça da Bandeira e vi volumes avulsos do Comentário Bíblico Broadman  vendidos a preço de banana. Começa uma busca que até hoje não terminou.

Hoje eu tenho os volumes  1 a 3 e 8 a 12. Ou seja, da Bíblia Evangélica, com menos livros que a Católica, eu tenho comentado de Gênesis a Neemias e todo o Novo Testamento.  Vitória do TOC. Por hora.