sábado, 14 de junho de 2014

Os descrentes



Aquele túnel da máquina de Ressonância Magnética me incomoda, mas não tenho certeza se pode ser classificado como uma claustrofobia e nada se comparava ao medo de altura. Um terraço incomodava quando eu me aproximava da beirada. Fobia a lugares fechados e a altura é muito limitante para engenheiros, mas com o tempo foi passando, sem psicoterapia e com Ciência.

Em 2006 eu conheci um técnico que trabalhou com automação no antigo parque Terra Encantada. Conversamos sobre os brinquedos e o assunto acabou migrando para o tema manutenção. Perguntei se era bem feita e respondeu que sim, inclusive cada brinquedo contava com três  CLPs redundantes controlando tudo. 

CLP é um pequeno computador industrial de alta confiabilidade usado em automação e controle industrial. Hoje em dia encontramos CLPs em praticamente todas as máquinas dada a sua robustez, flexibilidade e baixo custo. Talvez o exemplo de equipamento mais próximo que usa CLP seja o elevador. Quatro anos depois, em 2010, eu criei coragem e passei a viajar nas montanhas russas. A partir deste encontro eu percebi o quanto nós não confiamos na Ciência e ainda estamos na era das trevas.  Lembrar-se da Ciência, de freios, travas e sensores quando estamos caindo a 60 metros de altura realmente não é fácil, mas o medo não pode deixar a vida parar e muito menos atrapalhar a carreira. Não conheço ninguém que morreu numa montanha russa, mas conheço pessoas que morreram eletrocutadas na cozinha, atropeladas e em acidentes automobilísticos.

Procurei então um método científico - com trocadilho, por favor - para medir superficialmente a (des)confiança das pessoas na Ciência sem precisar tomar muito o tempo e sem grandes explicações. Fazer a pergunta correta é uma arte:

- Se fosse solteiro(a) você faria sexo com uma pessoa linda e interessante, mas que fosse portadora do vírus da AIDS? 

A ciência diz que usar preservativo evita a contaminação pelo vírus da AIDS e outros microrganismos nocivos. Talvez muitos de nós em algum momento da vida tenhamos feito sexo com portadores do vírus da AIDS. Tecnicamente não vejo muita diferença entre fazer sexo usando preservativo com uma pessoa que não conhecemos bem e pode estar contaminada e outra que temos a certeza que está contaminada, mas, para a minha surpresa, somente uma pessoa respondeu que sim, faria sexo com uma pessoa ciente que esta parceira era portadora do vírus HIV. 

Todos os respondentes tem curso superior, alguns mestrado e até doutorado, são pessoas intelectualmente da elite neste país cheio de analfabetos e com sérios problemas no nosso sistema educacional. Pessoas que conhecem a Ciência e o Método Científico e alguns até debocham de quem duvida da chegada do homem à lua. Mas duvidar da conquista do espaço é, na essência, o mesmo que duvidar da capacidade de proteção da camisinha.

Quando duvidamos da Ciência nos tornamos um pouco reféns. Eu fui liberto da fobia de montanha russa que minha mãe imputou quando criança, mas poderia ser escravo até hoje. E a escravidão pode não ser tão irrelevante quanto o medo por um brinquedo de parque de diversões; ela pode te matar.

O caso clássico é o medo de viajar de avião, que envolve uma das mais poderosas ferramentas que o homem inventou e é fundamental para a Ciência, a Estatística. Por medo de avião, muitos optam por fazer o trecho de 450 quilômetros que separa o Rio de Janeiro de São Paulo por via terrestre. A questão poderia envolver o custo econômico, pois a passagem aérea costuma ser bem mais cara que a passagem de ônibus ou os custos da viagem de carro, porém pessoas com alto poder aquisitivo optam por ir de carro por medo de morrer de avião. Mas a Ciência Estatística diz que é muito mais difícil morrer de avião que de carro ou ônibus. Não importa. Questionadas se confiam na Matemática e na Ciência estas pessoas provavelmente responderiam que sim.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Consertando geladeira

Nunca consertei uma geladeira, embora já tenha estudado por conta própria um pouco sobre refrigeração.

Há dias o meu amigo Farinha relatou que a geladeira dele esta apresentando um defeito intermitente: ela refrigerava normalmente, no entanto em certos momentos ela só religava na base do chute na traseira. Farinha ligou para uma oficina e relatou o problema e, segundo ele, o técnico do outro lado da linha disse que custaria em torno do 180 reais o reparo e que provavelmente seria o termostato. Disse que não fazia sentido ser o termostato, que isto era um problema na partida do compressor que, uma vez operando, funcionava normalmente e sem barulhos estranhos. O defeito, portanto, deveria estar no relé de partida. Farinha sacou o celular e mostrou algumas fotos do compressor sem a caneca de proteção. Começa uma inédita reparação a distância.



 Figura 1: O fio branco vem da tomada. A caixa de relés do compressor também funciona como caixa de distribuição elétrica. Esta peça marrom é o relé de partida, que esfarelava por superaquecimento.




Figura 2: Outra visão: o cabo preto vai para o interior da geladeira, alimentar a lâmpada, o termostato e o ventilador interno.




Figura 3: Visão da etiqueta do compressor , fundamental para análise e solução do problema




O meu primeiro passo foi tentar achar alguma documentação na internet. O Farinha não tinha a foto do esquema elétrico que fica normalmente colada na parte de trás do refrigerador. A última foto permite analisar a etiqueta do compressor, um TECUMSEH modelo TSA1370MDS. Com ajuda do Google, decobri este catálogo que informa que este compressor usa um relé de partida modelo SR171102. Farinha ligou para diversas lojas e ninguém tinha este relé específico. Observei que isto não deveria ser um defeito incomum e que deveria existir um relé substituto. Farinha novamente ligou para a loja e esta disse que tinha um relé de partida universal.

De posse do código do relé original, descobri este catálogo da fábrica que fornece para a TECUMSEH. Na página 6 está a descrição dos relés de partida SR. A tabela "Códigos das características elétricas" explica que 171 significa que é um relé para redes de 127V, a tabela "Modelo do relé" indica que 1 é para aplicação padrão RSIR e RSCR e finalmente a tabela "Configurações padronizadas para circuitos RSIR/RSCR" mostra que o relé não usa os terminais 3 e 4, os pinos 1 e 2 são do tipo "Fast On" e os terminais 5 e 6 são pinos fêmeas.

Resumindo: é um relé termico para 127V, para ligação RSIR ou RSCR, com as configurações mal explicadas acima.

RSIR significa "Resistance start, Inductive run": a partida é por um resistor - o relé - e o funcionamento por um indutor - o enrolamento do motor. A diferença do RSCR está a aplicação de um capacitor para melhorar a eficiência do conjunto.

Farinha me jurou que não havia capacitor na geladeira, logo concluí que a ligação daquela geladeira era RSIR

Figura 4: Esquema de ligação do relé de partida.



O desenho acima mostra que o relé de partida é um dispositivo de 2 terminais, mas foi encapsulado num invólucro de 6 terminais. Os pinos 4,3 e 6 estão ligados entre si, assim como os pinos 1, 2 e 5. O desenho mostra que a entrada de energia V deve ser ligado ao pino 2 ( ou 1 ou 5, tanto faz, já que estão internamente conectados) e o pino 3 deve ser ligado no motor.

No dia seguinte o Farinha comprou o relé universal por 10 reais e trouxe também o conjunto relé de partida, conectores de relé térmico. O relé de partida esfarelava não mão, indicando superaquecimento. Desconectei o que restou do antigo e encaixei o universal: ficou perfeito, para a minha surpreza. Só faltou religar os fios, que eu mesmo fiz.

Figura 5: O relé de partida universal

A geladeira passa bem e o Farinha economizou 10 reais.

Nota; se você não está acostumado com manutenção de equipamentos elétricos ou eletrônicos eu não recomendo que faça uma intervenção deste tipo ou similar sem a presença de um técnico qualificado. Eu e o Farinha somos loucos.

Em anexo:
Breve descrição para curiosos e quase totalmente leigos sobre o esquema elétrico, que o Farinha só me mandou depois de tudo quase recolvido.

Figura 6: esquema elétrico.



No canto infeior direito está a entrada de energia pela tomada por meio de dois fios, um azul (AZ) e um marrom (MA). Eles irão alimentar dois circuitos: a lâmpada dentro da geladeira e o compressor.

Comecemos pela lâmpada. Os fios marrom e azul chegam numa régua de terminais para  distribuição. Seguindo o desenho,  no canto superior direito saem os fios que entram no interior do refrigerador. O fio marrom (MA) segue por cima até o canto inferior esquerdo chegando na lâmpada, enquanto o fio azul é ligado ao interruptor da porta, para que só acenda a luz quando a porta da geladeira estiver aberta. O interruptor da porta é ligado à lâmpada por meio de um fio preto (PR).

O funcionamento do compressor é definido pela temperatura interna do refrigerador. Caso o interior esteja muito quente, um dispositivo chamado termostato entra em condução e liga o compressor, iniciando o processo de refrigeração. Quando a temperatura chega ao valor desejado, o termostato interrompe a condução e desliga o compressor.

O fio marrom chega ao termostato e sai por um fio preto e um azul o fio azul alimenta o ventilador interno do refrigador enquanto o fio preto alimenta o protetor térmico do compressor e este o terminal comum (C) do compressor. A função do protetor térmico é interromper o fornecimento de energia em caso de aquecimento excessivo do compressor, desligando-o.

O compressor é formado por dois enrolamentos ligados a um terminal comum (C).  O enrolamento A (Arranque) só é energizado durante a partida do compressor, sendo desativado assim que o compressor chega a uma certa velocidade. O enrolamento M (Motor) é alimentado  durante todo o tempo que o compressor estiver em funcionamento.

O controle da partida do compressor é feito por um componente chamado relé de partida, mas no desenho está apenas escrito “relé”. O relé de partida é um componente eletrônico chamado PTC. Sua resistência elétrica é muito baixa sob temperatura ambiente, quase um curto-circuito, permitindo que o enrolamento de arranque seja alimentado.  A medida que circula corrente no PTC, este aquece e a sua resistência elétrica aumenta, praticamente interrompendo a alimentação do enrolamento de arranque após um curto periodo.

FOTOS DO MOTOR DO FARINHA JÁ COM O RELÉ GENÉRICO: