quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Salomão, o maior macho-alfa que existiu

Um pouco antes do Natal estávamos eu, minha filha e minha esposa voltando da escola de natação, pois não quero que a minha pequena tenha tanto medo das águas quanto eu, quando, já quase chegando em casa, meus olhos de águia cheios de astigmatismos e hipermetropias percebem um livro perdido em um telefone público. Mecanicamente olho para os lados para certificar que o dono não está perto para confirmar o abandono ou esquecimento e para minimizar os riscos de algum constrangimento, pego o livro e vejo que o título não me é de todo desconhecido: comentários e resenhas surgem fracamente na memória.

Luiza pensou que fosse obra de algum evangélico que deixara o livro no orelhão de propósito, no entanto não era um livro cristão, pelo contrário: era um livro ateu chamado “Deus, um delírio”, que confundiu a Luiza talvez pela capa escura com a palavra “Deus” com mais destaque que as demais. O exemplar está em bom estado, ainda que com riscos na primeira folha interna que parecem originários das mãos de uma criança. Levei a obra para casa, guardei na estante para uma leitura cuidadosa em momento oportuno que ainda não chegou.

Até hoje eu estou refletindo, tentando colocar a fé e a religião de lado, imaginando se a tese de alguns cientistas de que o conceito de divindade foi criado e se perpetua por ser uma vantagem competitiva na luta pela sobrevivência. É um exercício mental interessante que espero ajudar a prevenir o Alzheimer. Acreditar em Deus nos faria mais tolerantes, fortes, persistentes e, de certo modo, éticos. Fiquei imaginando como explicar a natureza e a sociologia pelo prisma dos que esposam estas teorias. Vamos jogar gasolina na fogueira, tocar nas feridas e cutucar onças com vara curta: como explicar, sendo ateu, o crescimento do Cristianismo, uma religião que surgiu como seita do Judaísmo e se tornou independente e muito maior em número de fiéis? Foi mais fácil do que eu imaginava.

Em primeiro lugar o Cristianismo não é restritivo. Enquanto o Judaísmo tem forte fator genético o Cristianismo aceita qualquer pessoa, aumentando estupidamente o público-alvo que antes era formado apenas por judeus. O Judaísmo tem forte fator genético: a sua mãe precisa ser judia, ou você terá que passar por um longo processo que eles chamam de “assimilação” que em parte, até onde eu sei, é feito fora do Brasil.

Em segundo lugar o Cristianismo é “povão”: Jesus falou o que as massas queriam ouvir ou os que reproduziam o que Jesus falou só divulgaram o que a massa desejava ler, numa suposta tentativa de ganhar popularidade. O Sermão da Montanha, como relatado nos evangelhos, é um grande discurso para os pobres, humildes, humilhados e oprimidos. É um discurso para comover a maioria da população e tocar nos seus sentimentos mais íntimos.

Em terceiro lugar existe uma questão genética evolutiva, muito sutil, porém relevante no meu entendimento. O rei Salomão casou com mil mulheres. Considerando que a taxa de nascimentos é aproximadamente um homem para cada mulher, a população de Israel seria formada por metade homens e metade mulheres. Se Salomão possuía mil mulheres, então novecentos e noventa e nove homens ficaram solteiros e sem filhos, sem se reproduzirem nem passarem seus genes adiante. Os panos quentes podem argumentar que o autor do livro sagrado que conta a poligamia de Salomão exagerou, seguindo uma tendência literária da época para mostrar o poder, virilidade e glamour do rei Salomão, que é impossível ter mil mulheres, que este número vultoso incluía as serviçais que prestavam serviços ao rei e não mantinham relações amorosas ou sexuais com este e que a proporção entre mulheres e homens não era de um para um porque os homens morriam em batalhas e acidentes de trabalho, supostamente “sobrando” mulheres.

Mas o fato é que existiu uma poligamia e esta poligamia era consentida pela religião naquela época, pois o livro sagrado não trata este fato como algo ruim e poligamia só é vantajosa e viável para os que têm mais dinheiro, não os pobres.

Com o tempo a poligamia passou a ser proibida, ainda no Antigo Testamento, mas o “jeitinho” manteve o divórcio. Com o divórcio não é mais possível ter um harém, com várias mulheres te abanando com plumas de aves raras enquanto outras servem cachos de uvas frescas enquanto você fica numa cama cheia de confortáveis almofadas recebendo seus convidados, mas você pode, no decorrer da vida, ter várias mulheres, uma de cada vez. O único problema era que a expectativa de vida era muito baixa e os que viviam muito não podiam comprar Viagra, inventado milhares de anos depois, o que na prática limitava número máximo de mulheres para um valor bem inferior a mil.

Jesus - ou o redator do Novo Testamento – acabou com esta farra que só prejudicava o pobre macho-beta sem dinheiro: sacramentou definitivamente a monogamia e instituiu o princípio da insolubilidade do casamento (“O que Deus uniu o homem não separa”), acabando com qualquer dúvida com relação à poligamia e ao divórcio.

Mais ou menos: conheço um monte de igrejas supostamente cristãs que casam divorciados sem o menor problema.

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