terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Capitalismo primitivo

Assim diz a lenda: Woz e Jobs estavam soldando placas de circuito impresso e montando os computadores Apple numa garagem quando apareceu um homem de terno e gravata e se identificou como um investidor. Ele se interessou pelo produto da dupla e assim se tornou sócio da Apple.



Verdade ou ficção, este cenário é perfeitamente plausível nos Estados Unidos. Neste país, as taxas de juros são muito baixas e nunca compensa financiar o governo. O dinheiro flui para investimentos de verdade. O resultado é um mercado de capitais fortissimo e uma constante inovação, fruto do empreendedorismo coletivo. Diferente do Brasil, onde muitos iniciam pequenos negócios por absoluta necessidade ou falta de opção. É, novamente, uma questão cultural e eu vejo que o nosso capitalismo ainda é bastante primitivo. Ainda temos enormes dificuldades de lidar com os valores intangíveis, por exemplo.

No Brasil, as pessoas ainda estão na época do feudalismo, onde o processo de troca e pagamento se limitava a bens físicos. Eu tenho um boi, então eu vendo este boi e troco por uma carroça de madeira. O boi existe, a carroça existe e a negociação então é "justa", ato de compra e venda é "perfeito".



Temos enormes dificuldades em perceber os produtos e serviços que não são físicos. O ato de violar a propriedade intelectual de filmes e músicas é um exemplo claro. Alguns, com grande lucidez do seu status de idade média, ainda dizem que o músico tem que ganhar dinheiro algo físico, real, como shows e não com a música arquivada no celular (um conjunto de bits, algo imaterial).

Adoramos falar mal de bancos, mas não damos valor ao caixa eletrônico em Porto Seguro que usamos nas nossas férias. O fato de não existir sociedade moderna sem um sistema bancário eficiente prova que o sistema financeiro desenvolvido e atuante é fundamental.

Agora vamos voltar para os nossos personagens, Woz e Jobs. Você consegue imaginar, no Brasil, um investidor andando na rua e, ao ver numa garangem dois jovens montando algo novo e desconhecido, abrir o talão de cheques e virar sócio desta empresa? Eu não consigo imaginar, embora eu me considere uma pessoa com imaginação fértil.

Mas esta reflexão é pertinente porque o governo tenta baixar os juros e, se conseguir, a festa do dinheiro fácil e com baixo risco pode acabar. Pessoas com pequenas quantias acumuladas com o o suor do rosto terão que mudar os investimentos para conseguirem taxas melhores. Algumas soltarão fogos de subúrbio - aqueles que só fazem barulho e enchem o nosso saco, mas não iluminam - se conseguirem retornos de 3,5% ao ano acima da inflação. Um novo tempo talvez se inicie e se a nossa mentalidade medieval mudar poderemos gerar milhares de empregos e aquecer a economia, desde que percebamos o valor do Pequeno Sócio de Capital.



Chamo de Pequeno Sócio de Capital aquela pessoa de classe média com a partir de R$ 10 mil para investir em novos negócios. Este cidadão está num emprego relativamente estável e não precisa do dinheiro imediatamente, mas não possui tempo ocioso o suficiente para entrar de cabeça numa empreitada deste porte, pois ele precisa também dar atenção aos filhos e à esposa. Ele quer entrar com o dinheiro, mas não com o trabalho.



Nosso pequeno capitalista está disposto a investir em pequenos empreendimentos com segurança, sem ser chamado de explorador, safado ou espertalhão pelo outro sócio, seu dual: o Pequeno Sócio de Trabalho. Tudo o que o capitalista quer é participar da festa se o negócio der certo e para isto ele corre o risco da festa virar um grande velório. É o capitalismo puro e simples, o capitalismo de origem. Por outro lado, o Pequeno Sócio de Trabalho possui o conhecimento técnico e a disponibilidade para trabalhar. É possível que neste momento ele esteja desempregado ou ganhando um salário menor que R$ 1 mil por mês. Os dois, capitalista e trabalhador, se complementam e juntos podem decolar e até enriquecer. Separados não saem do sonho e da fantasia.

Vejo dezenas de oportunidades de investimento para pequenos sócios de capital. Não precisa começar do zero. O negócio pode já ter iniciado, mas falta dinheiro para a expansão e capital de giro. Eis algumas minas de ouro, muitas localizadas na Baixada Fluminense:

Confecção de roupas
Manutenção e instalação de ar condicionado
Pequenas reformas
Reforço escolar
Cursos rápidos
Restaurantes populares
Terceirização de manutenção
Oficinas mecânicas
Pousadas
Hotéis baratos para trabalhadores
Salões de beleza

Algum trabalhador talentoso de um dos setores acima quer o meu lindo dinheirinho?

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Feminista, mas só quando convém

Falar mal do machismo é, como dizia a minha mãe, "jogar água em um pato". As mulheres reclamam, os ouvintes acatam e tudo continua na mesma. Vai questionar o que? Machismo é péssimo para as mulheres.

Mais ou menos. O machismo tem várias faces, mas só é exibido o lado ruim para as mulheres. O lado conveniente para as mulheres é malandramente omitido.

Vejamos como é bom o machismo para as mulheres:

1) Aposentadoria mais cedo: É uma verdade estatística e atuarial que a expectativa de vida da mulher é maior que a do homem. Se a mulher vive mais ela então gera mais despesas para o INSS pois ficará mais tempo recebendo a aposentadoria. Então as mulheres deveriam contribuir com valores mensais maiores que os homens ou se aposentarem mais tarde. O que vemos na prática é exatamente o contrário: as mulheres se aposentam 5 anos antes. É claro que parte da crise de financiamento da Previdência Social também está relacionada com a maior inserção da mulher no mercado de trabalho. Nunca entendi o real motivo da mulher se aposentar mais cedo. Já me falaram de uma tal de "dupla jornada", pois além do trabalho a mulher arruma a casa, mas muitas mulheres que eu conheço não lavam um copo, pois tem empregada doméstica e muitos maridos ajudam nas tarefas domésticas. Outro fraco argumento foi que a mulher cria o filho. Novamente muitos maridos também exercem a tarefa de criar filhos e não há notícias de mulheres sem filhos que se aposentaram 5 anos mais tarde.



2) Trajes: trabalhei anos numa estatal e era proibido trabalhar de bermuda. Não havia nada documentado, mas a lei informal valia e muito. Os seguranças privados que ficam na porta da empresa simplesmente não deixam entrar e passar na catraca de ponto. Isto é válido se o funcionário for homem. Se for mulher vale tudo: bermuda, shortinho, saia curta que ao menor descuido deixava aparecer a calcinha, calça fina e apertada que destaca, sobe e modela os glúteos, decotes provocantes etc. A mulher pode tudo.

Se você ousasse reclamar e fosse homem, corria o risco de deboche e insinuações sobre a sua masculinidade.




3) Vagão das mulheres: com o argumento que as mulheres são sarradas no metro do Rio de Janeiro, criaram um vagão exclusivo justamente nos horários que os sistema de transporte está mais sobrecarregado. Nunca sarrei ninguém e nunca vi ninguém sarrar no metrô. A legislação diz que o sarro não-consensual é crime, logo a solução correta é a denúncia. Como ninguém quer fazer o certo, fazem o errado: agridem o artigo 5 da Constituição Federal e criam um privilégio para evitar um eventual sarro.

sábado, 14 de janeiro de 2012

O pessimista

Primeiro foi o Felipe Carbonel. Depois foi o Alexandre Souza. Dois na mesma semana. Não, não é nenhuma contabilidade sexual: eles não se conhecem mas deram o mesmo diagnóstico: sou pessimista.


Luiza, você me acha pessimista?

- Um pouco melancólico, talvez.

Mas, afinal, que mal tem em ser pessimista? É parte integrante, indissolúvel e imaculada da minha personalidade e eu vivo bem assim. Gosto de analisar cenários e trabalhar sempre com o pior possível. É só ler, está aí, no texto, no pensamento, na vida. Espero a China quebrar e o apocalipse econômico desde início de 2010.

Os otimistas não estão com nada. Provavelmente são mais simpáticos e, por isto, atraiam mais pessoas, não sei. A minha grande amiga de quase 20 anos, Dagmar, uma vez disse para mim que a alegria atrai as pessoas. É verdade, e provavelmente ela disse isto porque acreditava naquela época que eu era triste. Será que eu troquei nestas duas décadas a tristeza pela melancolia em convergência com o pessimismo? Se for, digo que gosto de mim assim mesmo e é um amor incondicional. :o)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Batizado da Anna Luiza

Só a Sandra para fazer a família Trololó sair da cama antes das 10:30h de um domingo chuvoso. Mas foi por uma causa nobre.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O Alçapão


Se a minha filha um dia afirmar que deseja estudar no CEFET-RJ eu terei uma reação dupla.

Não, nada a ver com o fato de eu e a minha esposa sermos ex-alunos do CEFET-RJ. Ela se formou no final de 1987, ano que eu entrei. Não nos conhecemos no CEFET-RJ, mas o seu rosto na carteira de identidade não é estranho.

Bem, sou da teoria que todas as fotos de carteira de identidade são estranhas.

Ficarei feliz se a minha filha desejar estudar numa escola pública e boa, bem cotada no ENEM e também com muito medo de ela cair na velha armadilha do curso técnico.

A armadilha do curso técnico é cruel e pega justamente os mais pobres. Estes, com a necessidade de ganhar dinheiro honesto e rápido, acabam fazendo um curso técnico. Arrumam um emprego que paga mal e que não tem muitas perspectivas de crescimento.

Já no alçapão da armadilha, sem condições de subir e chegar ao solo, vendo-se no máximo um supervisor de outros técnicos após muitos anos de dedicação ele conclui que a única saída é fazer engenharia.





Só que nesta altura dos acontecimentos afiados e profundos dentes de aço já penetraram na carne da perna direita e esta sangra e dói. Não é fácil escapar: os pais dependem do dinheiro dele para fechar as contas no final do mês, a namorada silenciosamente vai a Madureira com a mãe todo o sábado pela manhã para comprar o enxoval sonhando com o status de noiva e ainda tem 39 prestações do Palio 2009 com ar condicionado, vidros e travas elétricas.





Não convencido ele vai à Internet procurar escolas de engenharia que tenham cursos noturnos. Todas privadas, caríssimas e nenhum histórico de ex-alunos passando para concursos decentes. Ao final do terceiro período nosso pobre homem abandona a faculdade vítima dos boletos bancários e das notas em Cálculo.





Alguns, amargurados profundamente, criticam o sistema público de ensino superior, alegando que só os ricos estudam lá. Mas ele poderia estar entre os ricos e privilegiados se fosse orientado a não cair na armadilha.

Eu escapei, mas eu tive alguns diferenciais que são raros e me permitiram a libertação.

Primeiro, eu tenho um irmão 20 anos mais velho que eu e inteligentíssimo que lutou bravamente para eu não cair na armadilha. Caí, mas caí com um nível de consciência maior que os meus pares.

Segundo, eu caí na armadilha depois de ter entrado numa escola de engenharia federal. Meu curso durou um ano a mais que o normal por isso, mas quando eu comecei a trabalhar o funil do vestibular era passado e o ciclo básico da engenharia estava concluído.

Terceiro, o Bulha, sempre na vanguarda, já tinha caído na armadilha e saído. Quando eu caí na armadilha eu vi que poderia sair rápido também e voltar a estudar conforme mostra o próximo parágrafo.

Quarto, o meu trabalho era em turno de revezamento, o que permitiu que eu continuasse estudando no período diurno.

Quinto, só comprei carro faltando um ano para me formar.

Sexto, só namorei depois de formado.





Foi muito duro, foi muito difícil. Ainda tenho cicatrizes na minha perna direita e umas costelas quebradas quando caí no alçapão, porém sobrevivi e hoje colho os frutos. Só é chato ver as pessoas que não conhecem o meu passado acharem que eu sempre tive a vida mole e os governantes propondo novas escolas técnicas!

domingo, 8 de janeiro de 2012

Amanhã é segunda-feira

Então nada como Fernando Pessoa para fazer refletir, mesmo no tom melancólico.

Ainda estou na fase da Mariah perguntar quem são as pessoas da foto. Ninguém morreu.

Só mesmo um grande amor para fazer um homem duro e com educação proletária como eu ler poesia.


Dedicatória aos Amigos...
Fernando Pessoa

Um dia a maioria de nós irá separar-se.

Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que partilhamos.
Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das vésperas dos finais de semana, dos finais de ano, enfim... do companheirismo vivido.

Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre.

Hoje não tenho mais tanta certeza disso.

Em breve cada um vai para seu lado, seja pelo destino ou por algum desentendimento, segue a sua vida.

Talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nas cartas que trocaremos.

Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices... Até que os dias vão passar, meses...anos... até este contacto se tornar cada vez mais raro.

Vamo-nos perder no tempo.... Um dia os nossos filhos vão ver as nossas fotografias e perguntarão: "Quem são aquelas pessoas?" Diremos...que eram nossos amigos e...... isso vai doer tanto! "

Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons anos da minha vida!" A saudade vai apertar bem dentro do peito.

Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...... Quando o nosso grupo estiver incompleto... reunir-nos-emos para um último adeus de um amigo.

E, entre lágrimas abraçar-nos-emos. Então faremos promessas de nos encontrar mais vezes desde aquele dia em diante.

Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vida, isolada do passado.

E perder-nos-emos no tempo..... Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida te passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa
de grandes tempestades.... Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!"

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

As escolas de samba ainda são o reflexo do povo

"Todo dia ela faz tudo sempre igual:
Me sacode às seis horas da manhã,
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã"
(Chico Buarque)

Hoje, enquanto fazia aquele ritual matinal antes de sair para o trabalho, liguei a TV e tentava acompanhar o "Bom Dia Rio", o notíciário local da Rede Globo. O tema era a mudança no critério de julgamento do desfile das escolas de samba. Uma das mudanças é que o mestre-sala e a porta-bandeira passaram a ter duas avaliações distintas: a indumentária e o desemprenho coreográfico. É justo. Muito justo. Justíssimo.



Uma outra mudança é a nota, sempre a nota. Agora parece que o jurado só pode dar notas entre nove (9) e dez (10). Na prática isto é um eufemismo matemático porque o julgador que achou uma bateria ruim e não pode dar cinco passará a dar 9,5. O efeito prático de tirar 9,5 numa escala de 9 a 10 vai ser o mesmo que tirar 5 numa escala de 0 a 10, mas ofende menos tirar uma nota 9,5.

A reflexão que faço é: avaliação é um trauma do brasileiro. Nada sei das origens, mas nós - eu me incluo, sim - temos alguma dificuldade em avaliar o outro formalmente, em sermos avaliados e em lidar com o sucesso e o fracasso.

Deus não nos fez iguais. Não há ninguém igual a mim neste mundo de 7 bilhões e é natural que em algumas coisas eu seja melhor que as pessoas ao meu redor e em outras tarefas eu seja bem pior. A avaliação é apenas uma forma de documentar um fato da natureza divina na criação do homem: o Senhor não tem uma linha de produção de corpos e almas, ele faz um a um de uma forma artesanal e não há duas peças iguais.

Mas aqui o professor tem que tratar todos os alunos iguais mesmo que alguns sejam mais inteligentes e autodidatas, o pai tem que tratar os filhos iguais e jurar até o último dia da vida que não tinha um "preferido", a empresa tem que oferecer todos os benefícios iguais, o chefe tem que dar todas as tarefas e oportunidades iguais, o hospital tem que tratar todos os pacientes (quase escrevi clientes! eita!) de forma impessoal e igualitária e o padre tem que fazer a missa de sétimo dia igual.

Acho que o brasileiro relaciona a experiência de ser mal avaliado com ser fracassado ou rejeitado, no entanto avaliar mal é uma atividade diária: repudiamos certas marcas de café em pó, adoramos descer o malho em hotéis ruins no TripAdvisor, falamos mal de superiores hierárquicos e criticamos professores "que não querem nada". Avaliar mal é uma tarefa tão comum quanto avaliar bem, mas a etiqueta recomenda que o mal desempenho no Brasil só seja declarado em público na condição de anonimato.

O anonimato é o grande amigo do avaliador brasileiro. Adoramos usar nomes fortes como MadMax para nos esconder e colocar em fóruns e listas de discussão tudo o que realmente sentimos em relação a uma pessoa ou objeto. Que se dane o rastreamento, nos dirigimos para uma lan house num bairro pobre para dizer todas as verdades do mundo e continuar oculto. O login funciona como a máscara de um Zorro virtual e sua nobre causa: dar a nossa opinião sincera e avaliar mal.

Mas por que isto? Por que não ser sincero em todos os nossos passos? Por que não arcar com o peso das nossas opiniões e ganhar de brinde uma cabeça menos hipócrita? Podem falar mal de mim e me reprovar, eu não ligo. Eu sigo a filosofia do grande Johnnie Walker e me mantenho andando. Ninguém morre por causa de avaliação.