segunda-feira, 23 de abril de 2018

O que quer o Kim?

Esta semana refleti sobre o delicado jogo diplomático que envolve Trump e Kim.

Não, eles não são loucos como a mídia prega. Não conheço nenhum louco que seja bilionário e tenha estudado na Universidade da Pensilvania e Kim também foi muito bem preparado, apesar de não ter sido o número um para suceder o pai.

Kim já deu fortes sinais: convidou Trump para um encontro, cessou os testes nucleares e levou atletas norte-coreanos para compor um time com atletas sul-coreanos. Este, para mim, foi o movimento no xadrez político mais incrível e belo. Só por isso Kim e Trump já quase merecem o Nobel da Paz.

Kim, com a posse de Trump, se tocou que o caminho que ele estava seguindo o levaria à derrota e à ruína e, neste caso, "ruína" significa "morte". Ele precisava de uma saída que fosse boa para ele, para os EUA e para os seus tradicionais parceiros chineses e russos. Neste momento o resto do mundo com Japão e Coreia do Sul são players secundários.

Se ele seguisse o confronto, mais cedo ou mais tarde aconteceria com a dinastia Kim o mesmo destino de Kadafi e Sadam. Além do passado recente, Kim olha o presente com especial atenção no Afeganistão, Paquistão e Síria.

A chave é olhar o passado, o encontro de Nixon com Mao Tse Tung e eu vejo semelhanças no encontro Trump-Kim com Nixon-Mao. Se estiver certo - e tudo der certo -, a Coreia do Norte se tornará uma espécie de "Segunda China": o embargo econômico acabará, ocorrerá uma rápida industrialização manufaturando produtos de uso intensivo de mão de obra porém com baixo valor agregado. Ruim para o Vietnam e Camboja que já ocupam este nicho há alguns anos. Talvez também concorra com o Paquistão e Bangladesh no setor de confecção, não haverá abertura política e a dinastia Kim continuará no poder.

Este cenário é bom para a China porque sua mão de obra está muito cara para os padrões norte coreanos e eles podem ganhar muito dinheiro como intermediários além de evitar um êxodo em massa da população. Neste aspecto esta solução é particularmente agradável para a Rússia uma vez que a Coreia do Norte também tem fronteira com este país.

Para os EUA é bom porque o custo de ter mais um país pequeno exportando manufatura é pequeno face os benefícios da paz e a redução de despesas militares na região. Sem citar que é bom ter novos negócios com um mercado até hoje inexplorado pelos norte americanos.

A Coreia do Sul ganha a paz, mas perde o sonho da unificação enquanto Kim e família finalmente poderão desfrutar as sonhadas férias na Disney de Orlando em paz. Quer coisa melhor que isto?







terça-feira, 10 de abril de 2018

Decidi avaliar o impacto do socialismo em Cuba

O primeiro passo foi selecionar um país que guardasse boa similaridade com Cuba para comparar um país socialista com um capitalista. A nação escolhida foi a República Dominicana pelos seguintes motivos: (a) Está localizada no Caribe, (b) como Cuba, é uma ilha que vive basicamente do turismo e da agricultura (c) Estão próximas, com clima e geografia similares e (d) no número de habitantes e a densidade demográfica são compatíveis.

O segundo passo foi selecionar alguns indicadores disponíveis num universo de mais de mil e consultar a base de dados do Banco Mundial e avaliar os valores de 1960 (os mais antigos deste banco de dados) e os atuais.

Aos números:

Homicídios dolosos por cem mil habitantes
Selecionei este indicador para comparar o nível de violência.

A República Dominicana só tem dados de 1995 a 2015. Nestes 20 anos houve um crescimento de 37% neste indicador de violência. O último valor registrado é de 17,4 homicídios / 100 mil habitantes.

Cuba só tem dados de 2004 a 2011. Este indicador diminuiu 13% no período e o último valor registrado é de 4,7 homicídios / 100 mil habitantes.

Conclusão: não há dúvidas que Cuba seja além um país menos violento que a República Dominicana, esta tende ao crescimento enquanto Cuba está diminuindo.

Incidência de tuberculose por cem mil habitantes
Selecionei este indicador para avaliar a saúde pública e, de certa forma, as condições sanitárias.

A República Dominicana oferece dados de 2000 a 2017. O último valor é 60 casos / 100 mil habitantes, com uma redução de 40% em 17 anos.

Cuba apresenta dados de 2000 a 2016. O último valor foi 6,9 casos / 100 mil habitantes, uma redução de 43% em 16 anos.

Conclusão: Cuba tem aproximadamente 1/10 dos casos de tuberculose da República Dominicana, o que é uma grande vantagem, mas a taxa de queda tão próxima (40% x 43%) indica que as medidas de tratamento do problema são similares.

Percentual de habitantes no mínimo usando serviços básicos de água potável
Selecionei este indicador para avaliar as condições sanitárias.

República Dominicana: dados de 2000 a 2015, 91,1% para 94,5% (crescimento de 3,7% no período).
Cuba: dados de 2000 a 2015, de 93% para 95,2% (crescimento de 2,4%).

Conclusão: não vejo diferenças significativas.

Consumo de álcool
Selecionei este indicador por puro preconceito, tentando avaliar o nível de insatisfação da população.

Cuba só tem dados de 2015, registrando 5,5 litros por habitante por ano. A República Dominicana consome 7,6 litros por habitante por ano. 

Não conclusivo. O maior consumo na República Dominicana pode indicar simplesmente maior poder de compra e como são dois países turísticos, o consumo dos turistas é contabilizado como consumo interno.

Registros de patentes
Selecionei este indicador por estar relacionado com o nível de educação formal da população.

Cuba registrou 32 patentes em 2016 e 8 patentes em 1963. A República Dominicana registrou 15 em 1963 e 16 em 2016.

Conclusão: registros de patentes são ótimos indicadores de nível educacional e são fáceis de auditar, o que torna um indicador difícil de fraudar. A produção de patentes da República Dominicana se manteve praticamente constante enquanto Cuba quadruplicou no período, indicando um salto educacional após a Revolução de 1959.

Taxa de suicídios
Selecionei este indicador na tentativa de monitorar a insatisfação da população.

Cuba apresenta taxas maiores, porém decrescentes, de 16,4 suicídios por cem mil habitantes para 14 enquanto na República Dominicana os valores estão constantes em 6,8 suicídios por cem mil habitantes.

Não conclusivo. Cuba tem índices maiores que a República Dominicana mas compatíveis com Alemanha e bem menores que o Japão, países de notória qualidade de vida, o que indica que existe um fator cultural muito mais forte que a insatisfação na decisão de encerrar a própria vida.

Expectativa de vida ao nascer
Selecionei este indicador por ser recorrente nos debates sobre o desempenho de Cuba após a Revolução de 1959 e um indicador de qualidade de vida da população.

A expectativa de vida atual em Cuba é 79,5 anos e na República Dominicana, 73,7 anos. Neste aspecto há uma leve vantagem para Cuba, mas como os dois países não são exatamente iguais, uma diferença de menos de 10% talvez não seja significativa.

Em 1960 a expectativa de vida na República Dominicana era de 51,8 anos e em Cuba 63,9 anos. Para fins de comparação, em 1960 esta expectativa de vida era bem maior que a do Brasil (54,2) e México (57,1) e próxima da Argentina (65,2), que à época era considerado um país próspero e de boa qualidade de vida.

Isto nos leva a questionar se Cuba era realmente um país ruim de se viver antes da Revolução. Países notoriamente pobres apresentavam expectativa de vida bem menores em 1960 como, por exemplo Camboja e India (ambos com 41 anos), Quênia (46) e Bolívia (42). O fato é que o cidadão cubano tinha uma expectativa de vida ao nascer em 1960 superior à média da América Latina e Caribe (56 anos) e próximo da média dos países da Europa e Ásia Central (67 anos). É importante destacar que hoje Cuba continua com uma expectativa de vida bem próxima, porém levemente superior, à média destes países e a da República Dominicana está acima da Rússia (71 anos) e levemente abaixo do Brasil (75).

Conclusão: Cuba já tinha uma expectativa de vida grande antes da Revolução de 1959 e esta aumentou num ritmo superior à da Europa e Ásia Central (24,4% x 15%), mas bem inferior à Republica Dominicana (42%) o que indica que já era um país bom de se viver antes da Revolução, comparável com alguns países da Europa.

Imunização contra o sarampo
Selecionei este indicador para avaliar o sistema de saúde pública.

O dado mais antigo da República Dominicana é de 1980, com apenas 30% de imunização e cresceu até os 85% atuais.

A imunização em Cuba era 48% em 1960 e 99% nos dias de hoje. O Brasil tinha 57% da população imunizada em 1960 e 96% atualmente.

Conclusão: aparentemente a Revolução de 1959 melhorou muito a saúde pública em Cuba, mas não podemos dizer que esta era ruim antes da revolução considerando o indicador anterior (“Expectativa de vida ao nascer”)

Conclusões:

(1) Ao contrário do que os meus professores de História disseram, Cuba, antes de 1959 não era um país miserável, pelo contrário, seus habitantes viviam quase tanto tempo com um europeu. Fidel, inclusive, tinha educação superior.

(2) A Esquerda não mente quando afirma que os maiores ganhos da Revolução foram na saúde e na educação.

(3) Como Cuba já era mais avançado que os congêneres e próximo aos países europeus sob certos aspectos não tenho a mínima ideia de como seria o país hoje se a Revolução não tivesse ocorrido. Mas é difícil imaginar tais cenários: o país, em 1960, também parecia com a então próspera Argentina.