sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

As escolas de samba ainda são o reflexo do povo

"Todo dia ela faz tudo sempre igual:
Me sacode às seis horas da manhã,
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã"
(Chico Buarque)

Hoje, enquanto fazia aquele ritual matinal antes de sair para o trabalho, liguei a TV e tentava acompanhar o "Bom Dia Rio", o notíciário local da Rede Globo. O tema era a mudança no critério de julgamento do desfile das escolas de samba. Uma das mudanças é que o mestre-sala e a porta-bandeira passaram a ter duas avaliações distintas: a indumentária e o desemprenho coreográfico. É justo. Muito justo. Justíssimo.



Uma outra mudança é a nota, sempre a nota. Agora parece que o jurado só pode dar notas entre nove (9) e dez (10). Na prática isto é um eufemismo matemático porque o julgador que achou uma bateria ruim e não pode dar cinco passará a dar 9,5. O efeito prático de tirar 9,5 numa escala de 9 a 10 vai ser o mesmo que tirar 5 numa escala de 0 a 10, mas ofende menos tirar uma nota 9,5.

A reflexão que faço é: avaliação é um trauma do brasileiro. Nada sei das origens, mas nós - eu me incluo, sim - temos alguma dificuldade em avaliar o outro formalmente, em sermos avaliados e em lidar com o sucesso e o fracasso.

Deus não nos fez iguais. Não há ninguém igual a mim neste mundo de 7 bilhões e é natural que em algumas coisas eu seja melhor que as pessoas ao meu redor e em outras tarefas eu seja bem pior. A avaliação é apenas uma forma de documentar um fato da natureza divina na criação do homem: o Senhor não tem uma linha de produção de corpos e almas, ele faz um a um de uma forma artesanal e não há duas peças iguais.

Mas aqui o professor tem que tratar todos os alunos iguais mesmo que alguns sejam mais inteligentes e autodidatas, o pai tem que tratar os filhos iguais e jurar até o último dia da vida que não tinha um "preferido", a empresa tem que oferecer todos os benefícios iguais, o chefe tem que dar todas as tarefas e oportunidades iguais, o hospital tem que tratar todos os pacientes (quase escrevi clientes! eita!) de forma impessoal e igualitária e o padre tem que fazer a missa de sétimo dia igual.

Acho que o brasileiro relaciona a experiência de ser mal avaliado com ser fracassado ou rejeitado, no entanto avaliar mal é uma atividade diária: repudiamos certas marcas de café em pó, adoramos descer o malho em hotéis ruins no TripAdvisor, falamos mal de superiores hierárquicos e criticamos professores "que não querem nada". Avaliar mal é uma tarefa tão comum quanto avaliar bem, mas a etiqueta recomenda que o mal desempenho no Brasil só seja declarado em público na condição de anonimato.

O anonimato é o grande amigo do avaliador brasileiro. Adoramos usar nomes fortes como MadMax para nos esconder e colocar em fóruns e listas de discussão tudo o que realmente sentimos em relação a uma pessoa ou objeto. Que se dane o rastreamento, nos dirigimos para uma lan house num bairro pobre para dizer todas as verdades do mundo e continuar oculto. O login funciona como a máscara de um Zorro virtual e sua nobre causa: dar a nossa opinião sincera e avaliar mal.

Mas por que isto? Por que não ser sincero em todos os nossos passos? Por que não arcar com o peso das nossas opiniões e ganhar de brinde uma cabeça menos hipócrita? Podem falar mal de mim e me reprovar, eu não ligo. Eu sigo a filosofia do grande Johnnie Walker e me mantenho andando. Ninguém morre por causa de avaliação.


Nenhum comentário:

Postar um comentário