terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O Alçapão


Se a minha filha um dia afirmar que deseja estudar no CEFET-RJ eu terei uma reação dupla.

Não, nada a ver com o fato de eu e a minha esposa sermos ex-alunos do CEFET-RJ. Ela se formou no final de 1987, ano que eu entrei. Não nos conhecemos no CEFET-RJ, mas o seu rosto na carteira de identidade não é estranho.

Bem, sou da teoria que todas as fotos de carteira de identidade são estranhas.

Ficarei feliz se a minha filha desejar estudar numa escola pública e boa, bem cotada no ENEM e também com muito medo de ela cair na velha armadilha do curso técnico.

A armadilha do curso técnico é cruel e pega justamente os mais pobres. Estes, com a necessidade de ganhar dinheiro honesto e rápido, acabam fazendo um curso técnico. Arrumam um emprego que paga mal e que não tem muitas perspectivas de crescimento.

Já no alçapão da armadilha, sem condições de subir e chegar ao solo, vendo-se no máximo um supervisor de outros técnicos após muitos anos de dedicação ele conclui que a única saída é fazer engenharia.





Só que nesta altura dos acontecimentos afiados e profundos dentes de aço já penetraram na carne da perna direita e esta sangra e dói. Não é fácil escapar: os pais dependem do dinheiro dele para fechar as contas no final do mês, a namorada silenciosamente vai a Madureira com a mãe todo o sábado pela manhã para comprar o enxoval sonhando com o status de noiva e ainda tem 39 prestações do Palio 2009 com ar condicionado, vidros e travas elétricas.





Não convencido ele vai à Internet procurar escolas de engenharia que tenham cursos noturnos. Todas privadas, caríssimas e nenhum histórico de ex-alunos passando para concursos decentes. Ao final do terceiro período nosso pobre homem abandona a faculdade vítima dos boletos bancários e das notas em Cálculo.





Alguns, amargurados profundamente, criticam o sistema público de ensino superior, alegando que só os ricos estudam lá. Mas ele poderia estar entre os ricos e privilegiados se fosse orientado a não cair na armadilha.

Eu escapei, mas eu tive alguns diferenciais que são raros e me permitiram a libertação.

Primeiro, eu tenho um irmão 20 anos mais velho que eu e inteligentíssimo que lutou bravamente para eu não cair na armadilha. Caí, mas caí com um nível de consciência maior que os meus pares.

Segundo, eu caí na armadilha depois de ter entrado numa escola de engenharia federal. Meu curso durou um ano a mais que o normal por isso, mas quando eu comecei a trabalhar o funil do vestibular era passado e o ciclo básico da engenharia estava concluído.

Terceiro, o Bulha, sempre na vanguarda, já tinha caído na armadilha e saído. Quando eu caí na armadilha eu vi que poderia sair rápido também e voltar a estudar conforme mostra o próximo parágrafo.

Quarto, o meu trabalho era em turno de revezamento, o que permitiu que eu continuasse estudando no período diurno.

Quinto, só comprei carro faltando um ano para me formar.

Sexto, só namorei depois de formado.





Foi muito duro, foi muito difícil. Ainda tenho cicatrizes na minha perna direita e umas costelas quebradas quando caí no alçapão, porém sobrevivi e hoje colho os frutos. Só é chato ver as pessoas que não conhecem o meu passado acharem que eu sempre tive a vida mole e os governantes propondo novas escolas técnicas!

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