sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Tem certeza?

A velhice é algo engraçado: esquecemos de um monte de coisas recentes e lembramos outras muito antigas e marcantes. E distorcemos também. Muito mesmo. Os velhos adoram dizer que a escola de antigamente era boa e que a atual é um excremento fedorento. Ainda bem que o IBGE faz o favor de colocar dados de todos os censos em PDF para qualquer um consultar.



O último velho que soltou esta pérola tem mais de 60 anos. Então ele é dos anos 50. Como era a escola nos anos 60, na época que ele estudou? Aqui você tem o resultado do censo de 1960. São dados oficiais do governo brasileiro. A página 59 do PDF nos mostra que moravam no Brasil varonil 58.997.981 habitantes com mais de 5 anos e 27.578.971 eram analfabetos. Quase metade da população. Só isso já dá para afirmar que a escola no Brasil de 1960 era muito pior do que a de 2012 pelo simples fato que nenhuma escola é pior que a pior escola. O censo de 2010 nos mostra que o índice de analfabetos de 5 anos ou mais está em 10,8% e 9,6% entre os de 15 anos ou mais. Ainda uma vergonha, porém muito melhor que em 1960.



O velho fala estas besteiras por um processo psicológico de filtragem. Ele compara as escolas de excelência da época, como o colégio Pedro II, e mentalmente generaliza para todas as escolas públicas. O Pedro II sempre foi uma escola de elite e elite, por definição, é para poucos. O maior indicador que ocorreu o processo de filtragem é o segundo mito que ele propaga, de que a escola pública era melhor que a privada. Isto não faz sentido algum: por que diabos um pai e uma mãe colocariam o filho numa escola paga se ele teria uma escola melhor sem pagar nada?


O velho fala que na escola da época dele ensinavam francês e latim, mas eu nunca vi um velho realmente saber se comunicar em latim ou francês só com os conhecimentos da escola primária e secundária. Quem precisava realmente saber francês ou latim entrava em cursos de línguas ou faculdade de letras. Aliás, naquela época eram tão poucos com educação secundária que o ato de concluir este curso era garantia de um bom emprego. Quando eu entrei no curso técnico do CEFET-RJ, em 1987, estes velhos, que na época eram quase quarentões, profetizaram: "Terás bons empregos por toda a vida graças a este curso!" O velho também dizia que aprendia muita matemática, mas o seu comportamento econômico na época de inflação (a partir de 1980, quando ele já era adulto) mostrou que não sabe sequer o que é juro ou porcentagem.



Então vamos abrir esta Caixa de Pandora: os pais que moravam nos grandes centros urbanos colocavam os filhos em escolas privadas porque não existiam escolas públicas suficientes para todos. Em parte porque a sociedade nunca se interessou pela educação, em parte porque naquela época se faziam muitos filhos.



Existiam provas para entrar nas escolas públicas e, claro, cursos preparatórios para ajudar o candidato a passar, um verdadeiro vestibulinho. Ocorria um círculo virtuoso similar ao que acontece hoje nas universidades públicas de grife: os melhores preparados pelos cursos preparatórios passavam, o nível de ensino ficava mais alto, porém, na prática, só os extratos mais ricos da sociedade que eram admitidos.



Com uma forte demanda - os excluídos do sistema público -, os donos dos estabelecimentos de ensino privados  não precisavam fornecer um ensino de qualidade para ter muitos alunos. Isto ajudou a criar a lenda da escola privada deficiente. Mas uma escola privada ruim é melhor que nenhuma escola  pública. Os que moravam em áreas rurais em muitos casos não tinham opção nenhuma, o que explica o nível de analfabetismo historicamente alto nestas regiões.



O que mudou nesses 60 anos? O acesso a escola se democratizou, mas ainda existem escolas públicas de elite, o nível de ensino não é homogêneo. Ocorreu uma inversão parcial; as classes mais ricas migraram para as escolas privadas, mas continuam usufruindo das melhores escolas públicas, principalmente na educação superior (graduação e pós-graduação). Os pais, alunos e professores não acreditam como antigamente na escola e na educação como duas poderosas ferramentas de ascenção social.

A opção do governo de colocar todas as crianças na escola foi melhor que melhorar as escolas existentes? Sim, pois, como disse, uma escola ruim é melhor que nenhuma escola. O aumento das vagas e o movimento de tentar colocar todas as crianças na escola foi o correto naquele momento. O próximo passo é melhorar as escolas já existentes e aproveitar que as pessoas estão fazendo menos filhos para diminuir o número de alunos por classe, que em alguns casos ultrapassa de quarenta e torna inviável a realização de um bom trabalho. Fazer a escola melhorar é o passo mais difícil porque é um problema complexo que exige um esforço de todo mundo, inclusive dos professores, e de longo prazo, que o brasileiro tradicionalmente odeia.

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