terça-feira, 18 de junho de 2013

A jornada 4: o show do sabão em pó

Em 2001, já casado, começou a tornar-se popular no Brasil a cirurgia de redução do estômago. Eram constantes as reportagens nos meios de comunicação e eu, claro, vi neste procedimento cirúrgico a solução da minha vida. O que chamava a atenção eram as pessoas emagrecendo rápido: eliminar 30 quilos era algo banal, uma obrigação, uma questão de honra. O problema era que o meu corpo não se enquadrava entre os elegíveis para fazer a bariátrica, visto que o meu IMC era 38. Claro que existiam complicações para justificar a cirurgia, pois eu tomo remédios para controle da pressão há anos, mas, naquela época, as informações que chegaram era que o IMC acima de 40 era uma condição essencial. Mudar de IMC 38 para IMC 40 é algo fácil para um gordo. São só quatro quilos no meu caso e eu consciente ou inconsciente, acabei engordando mais.

Vencido o primeiro obstáculo, o segundo foi descobrir quem fazia a cirurgia. Poucos eram aptos a realizar o procedimento e eu não conhecia ninguém. Não encontrei informações na internet - hoje em dia tem cada site de cirurgião que são verdadeiras obras-primas do webdesign - e a única solução foi marcar uma consulta com um cirurgião credenciado do plano de saúde para me informar. Na consulta, um senhor de uns 50 anos e que me pareceu ser estrangeiro, disse que era contra a cirurgia, embora, se eu tivesse um câncer, ele operaria sem problemas. Acho que ele quis dizer que não se deve operar um estômago em perfeito estado. Diante da minha insistência ele me deu o telefone de um cirurgião que fazia a bariátrica. Marquei a nova consulta.

O médico não era credenciado. Numa época que o salário mínimo valia R$180,00, ele me cobrou R$100,00 por 15 minutos. Consulta relâmpago. Não durou 13 minutos porque antes de partir eu pedi para medir a minha pressão. Nesses 13 minutos ele disse que tudo que eu precisava saber sobre a cirurgia bariátrica seria esclarecido num auditório na zona sul da cidade, supostamente uma reunião mensal para os candidatos.

Decidi levar a Luiza, para tentar convencê-la que o procedimento cirúrgico era a melhor solução para mim e fiquei chocado: o médico apresentou uma palestra e não uma reunião e não era exclusivo para tirar as dúvidas dos candidatos. Conhecemos, inclusive, uma funcionária das Casas Pedro que estava na plateia com um mês de operada.

O médico palestrante levava jeito. Dominava a platéia, tinha carisma. Só decepcionou o povo quando disse que era fundamental fazer exercícios e dieta mesmo depois de operado. Surgiu um "ahhhhh" típico das "colegas de trabalho" do programa Sílvio Santos. Nos outros momentos, parecia que ele estava anunciando um novo sabão em pó e não falando sobre uma cirurgia com 2% de probabilidade de morte.

Para mim, de um modo geral, não elucidou muito e eu fui falar com ele após o show. Eu queria saber qual é o primeiro passo de efetivamente para chegar na mesa de cirurgia do hospital e ficar lindo e magro para todo o sempre.

- Precisa marcar uma consulta comigo. São 400 reais.

Mais de 915 reais, considerando a inflação do periodo..

- Mas não pode ser um outro endocrinologista? - perguntei na inocência dos que querem economizar.

Ele ficou sem graça, e disse que era preciso ter um relacionamento grande entre o endocrinologista e o cirurgião. tudo bobagem, pois nem sabia direito quem era o cirurgião que me indicou para a palestra. Mas claro que tinha que ser com ele, um endocrinogista que não tinha nem 30 anos e nem mesmo mestrado na época e que cobrava por uma hora de consulta muito mais que um professor da Fundação Getúlio Vargas com doutorado nos Estados Unidos.

Mas o que me chocou mesmo não foram só os altos valores envolvidos. Claro que, se o endocrinologista cobrava aquele valor, teria que vender um rim, uma córnea e meio pulmão para pagar a conta do anestesista e do cirurgião se eu chegasse ao bisturi, porém o clima de festa criado numa suposta palestra sobre algo que as pessoas correm risco de vida me indicava que algo muito estranho ocorria. Na minha cabeça, eles não estavam procurando curar doentes, mas cativando clientes. Decidi que não iria fazer a bariátrica naquele momento e dei a inquestionável desculpa da lei de mercado:

- Dentro de 5 anos teremos mais cirurgiões fazendo o procedimento e o preço deve baixar. Eu espero até lá.

Durou 10 anos, e neste meio tempo a cirurgia evoluiu e muitos voltaram a engordar. Claro que os casos de fracasso a culpa foi, mais uma vez, unicamente jogada nas costas dos clientes-pacientes e jamais numa intervenção cirúrgica tão maravilhosa..

Até o próximo capítulo.

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