segunda-feira, 27 de junho de 2011

O Doutor e o Pinheiro

Conheci o Bulha no primeiro semestre de 1992. Quase 20 anos. Foi no primeiro semestre da faculdade e estávamos sendo iniciados na feitiçaria da engenharia, Uma espécie de Harry Potters tecnológicos. Bulha logo se revelou um feiticeiro melhor que eu, evidenciados por incontestáveis notas gloriosas em Cálculo I.

Desde então os nossos caminhos se aproximam, o que impede que o tempo e a luta diária pelo pão na mesa  cumpram as suas obrigações sacerdotais de afastar os amigos. Trabalhamos na mesma empresa de 1994 até o início do anos 2000, sendo boa parte deste tempo na mesma sala, mas exercendo a função de técnicos de eletrônica e de elétrica, respectivamente. Concluí o curso de engenharia eletrônica um semestre depois dele concluir o de engenharia elétrica. Algum tempo depois, o Bulha saiu da empresa e foi para um emprego melhor e depois eu fui para a mesma empresa que ele, como engenheiros.

Mas o desempenho do Bulha em matemática sempre demostrou que ali estava um cientista. Ele não fez por menos e no final de 2009 doutorou-se pela UFRJ. É o Doutor. Eu, já engenheiro, continuei achando chato a matemática teórica, viajante, sem aplicação na resolução de problemas reais e também continuava adorando colocar a mão no ferro de solda. Virei um Pinheiro, o peão-engenheiro. Pinheiros típicos apenas toleram os "ponto doc" e os "ponto xls", mas são amantes platônicos e indiscretos de motores, turbinas e placas de circuito impresso.

De comum também temos a origem humilde que é devidamente relembrada num almoço num restaurante simples com certa periodicidade. A minha hipótese é que é bom eventualmente voltamos aos locais humildes das nossas origens para dar valor ao que já conquistamos: o Marketing - talvez sem querer - acaba nos tornando insatisfeitos infinitamente, esquecendo de dar valor ao que nós temos, principalmente o que não é medido por dinheiro.

Em um destes almoços, o Bulha me trouxe um problema: havia comprado um aparelho que transmitia em FM o som de um toca-discos de vinil, que ele queria ouvir num rádio distante uns 10 metros do transmissor, em um outro cômodo do apartamento e a potência do sinal de saída do transmissor era tão alta que estava gerando ruídos incômodos e intereferências em outros aparelhos da moradia. A questão se revelou uma aventura instigante.

Caminhando na volta, digerindo um imprudente rodízio de massas, disse que não poderia abrir o equipamento, para não perder a garantia. Só vi duas soluções de imediato: a primeira era retirar a antena do transmissor e colocar uma menos eficiente, o que diminuiria a energia transmitida - e onde encontrar uma antena menor que encaixasse e funcionasse? - e a segunda opção seria diminuir a tensão de alimentação e, com isso, também diminuir a potência de transmissão.

Domingo retrasado, 19-05-2011, a família Trololó foi à casa do Bulha. Após uma suculenta boquinha junina feita de coração pela Bianca, a esposa do Bulha,  fomos para a guerra. Com uma fonte regulável, diminui a tensão de 12V para 8V e o ruído parou. Bingo! O Bulha sugeriu diminuir ainda mais a tensão, mas eu sabia que estava próximo do limite mínimo porque, dentro do transmissor, provavelmente existia um circuito regulador de 5V que precisaria teoricamente de uns 8V para funcionar. Testes práticos confirmaram que a tensão mínima que o equipamento funcionava sem entrar em colapso estava em torno de 7,5V.

Encontrado o caminho, sugeri que comprasse aqueles "eliminadores de pilha" ou que fosse numa loja  que venda componentes eletrônicos e comprasse uma fonte de 7,5V. Simples, mas a história não terminou.

Dias depois o Bulha me ligou dizendo que uma pessoa do trabalho iria alterar a fonte que veio com o transmissor de 12V para 7,5V e que ele "não iria gastar R$8,00 em algo que poderia sair de graça". Aquilo ficou na minha cabeça, mas não era mais problema do Pinheiro. Não era?

No dia seguinte ele me telefonou novamente dizendo que não conseguiram alterar a fonte dele. Aí eu lembrei que tinha algumas fontes de sucata, mas funcionando, e disse que provavelmente teria uma de 7,5V. Ontem, 26-06-2011 fui procurar a fonte e descobri que não possuia nada próximo a 7,5V, entretanto ainda estava em minhas mãos uma antiga fonte de um saudoso scanner TCE de 15V. Alteremos a tensão.


Antes eu medi a tensão da fonte e deu 14,99V. Coisa boa! Menos de 0,1% de erro. O mau humor começa quando lembro que a moda agora na Ásia é o encaixa-cola, nada de parafusos. Depois de quase destruir o gabinete, analisei o circuito com calma, enquanto ouvia a incrível melhora do condicionamento físico do Zeca Camargo no Fantástico e Mariah me enloquecia com as músicas do computador da Barbie. Descobri quais eram os resistores que definiam a tensão de saída e inseri um. A tensão caiu para 8,5V. Inseri outro e caiu para 7,58V. Missão dada é missão cumprida.



Olhe os resistores, logo acima do meu polegar. O do meio, menor, é o original.



setenv making_off ON
sentenv modo_inconsequente ON

Testando a fonte...


setenv making_off OFF
sentenv modo_inconsequente OFF

De manhã, vindo para o trabalho, observei que tamparam a saída do ar condicionado do ônibus (sempre congelante) com um copo do Bob's. No fundo, quem fez isso é um Pinheiro na alma.




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