quinta-feira, 12 de abril de 2012

Filho de mim mesmo

Antigamente os adultos não dirigiam a palavra a crianças, a menos que a intenção fosse dar bronca. Contei isto uma vez para o meu sobrinho João, de 14 anos, e ele não acreditou. A vida muda tão devagar que nem notamos, mesmo o siginicativo.

Sabia que o Governo já definiu o preço de refrigerantes? Em 1986 uma garafa de 290ml de Coca-Cola custava Cz$1,90. Ridículo, não? Foi logo ali, em meados dos anos 80.



O meu pai teve vários irmãos, mas eu só conheci um: tio Nely, seu melhor amigo. Religiosa e quinzenalmente ele ia na nossa casa almoçar, mas eu lembro pouco dele, embora tenha morrido quando eu já era adulto, muitos anos depois de meu pai. Lembro detalhes pontuais e sem muita conexão: ele era solteirão, morava em Niterói na casa de um sobrinho e trabalhou muitos anos numa fábrica de tecidos que existia na Usina, a região da Tijuca que fica imediadamente antes do Alto da Boa Vista. O que eu conto além disso são relatos de segunda mão, fornecidos basicamente pelos meus irmãos Dalton e Paulinho. Não que não sejam fontes confiáveis, mas é natural do cérebro humano generalizar, omitir e distorcer, ainda que seja sem querer e só um pouquinho.

Os seis filhos que os meus pais fizeram não foi uma produção constante no tempo; entre o Lúcio e o Dalton existe uma lapso de 11 anos. A tabelinha funciona até certo ponto. Alceste é 20 anos mais velho que eu. Paulinho 18, Lúcio 17, Dalton 6 e André 3. Newton chega e logo depois a menopausa. Que sorte!



O Paulinho sempre dizia que o tio Nely só passou a falar com crianças um pouco depois que a gente nasceu, início dos anos 70. Até então ele só dirigia a palavra para os adultos da casa: meu pai, minha mãe e minha avó. Hoje isto soa completamente estranho, mas era absolutamente comum na época. Aliás, foi a Luiza quem me fez lembrar deste detalhe, pois na família dela este desprezo também acontecia.

Baseado no que o Paulinho falou, a mudança comportamental deve ter ocorrido entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70. Hoje eu vejo que uma criança é uma máquina familiar de união, de fazer novas amizades, de ter mais contato com as pessoas próximas, de fazer a vizinha parar para dizer que ela está crescendo e lembrar que o tempo voa. São estas pessoas que nasceram no final dos anos 60 e início dos anos 70 que hoje chamamos de geração X. É tão bom rotular. Qual será a geração da Mariah? Z?

Outro dia o Joelmir Beting disse que gostaria de ter nascido nesta época, que queria ter sido filho dele mesmo. É um otimista: quando eu nasci, em 1972, o Brasil também vivia sua fase de otimismo excessivo. Era o Milagre Econômico. Dezoito anos depois, a coisa estava tão feia que nem estágio para conseguir o diploma de segundo grau a gente conseguia.

A expressão do Beting ficou na minha cabeça: "(...) queria ser filho de mim mesmo". Acho que ele está certo. Queria ter a vida boa que a Mariah leva. Pelo menos os tios sempre falaram com ela, desde quando apenas balbuciava.

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