terça-feira, 18 de junho de 2013

A jornada 4: o show do sabão em pó

Em 2001, já casado, começou a tornar-se popular no Brasil a cirurgia de redução do estômago. Eram constantes as reportagens nos meios de comunicação e eu, claro, vi neste procedimento cirúrgico a solução da minha vida. O que chamava a atenção eram as pessoas emagrecendo rápido: eliminar 30 quilos era algo banal, uma obrigação, uma questão de honra. O problema era que o meu corpo não se enquadrava entre os elegíveis para fazer a bariátrica, visto que o meu IMC era 38. Claro que existiam complicações para justificar a cirurgia, pois eu tomo remédios para controle da pressão há anos, mas, naquela época, as informações que chegaram era que o IMC acima de 40 era uma condição essencial. Mudar de IMC 38 para IMC 40 é algo fácil para um gordo. São só quatro quilos no meu caso e eu consciente ou inconsciente, acabei engordando mais.

Vencido o primeiro obstáculo, o segundo foi descobrir quem fazia a cirurgia. Poucos eram aptos a realizar o procedimento e eu não conhecia ninguém. Não encontrei informações na internet - hoje em dia tem cada site de cirurgião que são verdadeiras obras-primas do webdesign - e a única solução foi marcar uma consulta com um cirurgião credenciado do plano de saúde para me informar. Na consulta, um senhor de uns 50 anos e que me pareceu ser estrangeiro, disse que era contra a cirurgia, embora, se eu tivesse um câncer, ele operaria sem problemas. Acho que ele quis dizer que não se deve operar um estômago em perfeito estado. Diante da minha insistência ele me deu o telefone de um cirurgião que fazia a bariátrica. Marquei a nova consulta.

O médico não era credenciado. Numa época que o salário mínimo valia R$180,00, ele me cobrou R$100,00 por 15 minutos. Consulta relâmpago. Não durou 13 minutos porque antes de partir eu pedi para medir a minha pressão. Nesses 13 minutos ele disse que tudo que eu precisava saber sobre a cirurgia bariátrica seria esclarecido num auditório na zona sul da cidade, supostamente uma reunião mensal para os candidatos.

Decidi levar a Luiza, para tentar convencê-la que o procedimento cirúrgico era a melhor solução para mim e fiquei chocado: o médico apresentou uma palestra e não uma reunião e não era exclusivo para tirar as dúvidas dos candidatos. Conhecemos, inclusive, uma funcionária das Casas Pedro que estava na plateia com um mês de operada.

O médico palestrante levava jeito. Dominava a platéia, tinha carisma. Só decepcionou o povo quando disse que era fundamental fazer exercícios e dieta mesmo depois de operado. Surgiu um "ahhhhh" típico das "colegas de trabalho" do programa Sílvio Santos. Nos outros momentos, parecia que ele estava anunciando um novo sabão em pó e não falando sobre uma cirurgia com 2% de probabilidade de morte.

Para mim, de um modo geral, não elucidou muito e eu fui falar com ele após o show. Eu queria saber qual é o primeiro passo de efetivamente para chegar na mesa de cirurgia do hospital e ficar lindo e magro para todo o sempre.

- Precisa marcar uma consulta comigo. São 400 reais.

Mais de 915 reais, considerando a inflação do periodo..

- Mas não pode ser um outro endocrinologista? - perguntei na inocência dos que querem economizar.

Ele ficou sem graça, e disse que era preciso ter um relacionamento grande entre o endocrinologista e o cirurgião. tudo bobagem, pois nem sabia direito quem era o cirurgião que me indicou para a palestra. Mas claro que tinha que ser com ele, um endocrinogista que não tinha nem 30 anos e nem mesmo mestrado na época e que cobrava por uma hora de consulta muito mais que um professor da Fundação Getúlio Vargas com doutorado nos Estados Unidos.

Mas o que me chocou mesmo não foram só os altos valores envolvidos. Claro que, se o endocrinologista cobrava aquele valor, teria que vender um rim, uma córnea e meio pulmão para pagar a conta do anestesista e do cirurgião se eu chegasse ao bisturi, porém o clima de festa criado numa suposta palestra sobre algo que as pessoas correm risco de vida me indicava que algo muito estranho ocorria. Na minha cabeça, eles não estavam procurando curar doentes, mas cativando clientes. Decidi que não iria fazer a bariátrica naquele momento e dei a inquestionável desculpa da lei de mercado:

- Dentro de 5 anos teremos mais cirurgiões fazendo o procedimento e o preço deve baixar. Eu espero até lá.

Durou 10 anos, e neste meio tempo a cirurgia evoluiu e muitos voltaram a engordar. Claro que os casos de fracasso a culpa foi, mais uma vez, unicamente jogada nas costas dos clientes-pacientes e jamais numa intervenção cirúrgica tão maravilhosa..

Até o próximo capítulo.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

A Jornada 3: causa e efeito

O post anterior era para continuar a história do ponto da cirurgia bariátrica, coisa que eu não fiz. Achei importante naquele momento contar que eu passei por um longo tratamento psicoterápico como uma forma alternativa - e ao mesmo tempo convencional para a época - de emagrecer. O problema é que as psicólogas que eu conheci não conseguiram definir direito o que é causa e o que é consequência.

Se você pegar dados dos 50 estados dos EUA nos anos 1970 e fizer uma tabela considerando o número de carros e a quantidade de estradas, em quilômetros, que cada estado possui vai descobrir uma forte correlação positiva: quanto mais carros, mais estradas. Agora responda:

(a) Constroem muitas estradas porque os habitantes possuem muitos carros?

ou

(b) Os habitantes compram muitos carros porque construiram muitas estradas (sistema viário excelente)?

O fato de serem correlacionados não informa quem é a causa e quem é a consequência. Você pode chutar, opinar pela lógica, mas não dá para afirmar com 100% de certeza entre (a) e (b). Aliás, pode nem mesmo existir relação de causa e efeito.

Eu afirmo que existe uma forte correlação entre auto-estima baixa e obesidade. Os psicólogos que eu conheci naquela época consideravam que a baixa auto-estima causava obesidade, mas olhando hoje eu vejo o contrário, isto é, a obesidade causa a baixa auto-estima. Pode parecer nítido para você, hoje, mas em 1984 não era muito claro. A nitidez daquela época indicava o contrário.

Mas o mundo quando eu fiz a minha primeira dieta, em 1984, era diferente. A epidemia de obesidade ainda não era muito nítida por aqui. Pesar mais de 100kg era escândalo e escárnio. Claro que temos que considerar nestes quase 30 anos que o povo brasileiro ficou mais alto, mas, seguindo o padrão de IMC máximo de 25 para não ser considerado obeso, uma pessoa com 100kg seria considerado com peso normal se sua altura fosse de 2 metros.

A parte psicológica e emocional dos brasileiros não mudou para pior nestas três décadas para justificar a explosão de obesidade. Pelo contrário, graças à China e ao real valorizado estamos numa fase de ego inflado coletivo, um delírio que lota o Prime Outlet de Orlando, com a classe média histérica em busca da loja da Tommy, bem diferente de 84, com crise, recessão, Delfim Netto e João Figueiredo.

Curiosamente, eu percebo mais pressão contra o gordo que a 30 anos. Basta olhar as atrizes de pornochanchada dos anos 1970 e 1980 que passa de noite no Canal Brasil para perceber que o padrão de beleza ficou mais esbelto. A mulher bonita migrou para a magra, sem curvas, mas com uma certa musculatura. Na prática, impossível de ser atingido para a maioria das brasileiras. Não vejo sentido especificar uma coisa que não pode ser conseguida, nem mesmo com um custo alto. A mulher "verdadeiramente bela" dos anos 2010 virou uma mentira, uma utopia, um Unobtainium, mas beleza é assim mesmo, não é uma fábrica onde se busca a repetência e a uniformidade. A beleza é feita para brilhar a exceção.

E a pressão é tão grande muitos fazem cirurgia bariátrica, que ficou para A Jornada 4.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

A Jornada 2: a psicologa e o engenheiro

Neste meio tempo eu fiz 10 anos de psicoterapia. Conheci a minha psi numa faculdade particular localizada no subúrbio do Rio de Janeiro. Descobri que faculdades de psicologia normalmente ofereciam de graça ou por um preço simbólico serviços de psicoterapia e orientação vocacional. A primeira era um horror, fraquíssima, mas por sorte eu só fiquei com ela uns 3 meses, porque já era final do ano letivo e acredito que se formaria e não mais atenderia no serviço de psicologia aplicada da faculdade.

Quando reiniciaram as aulas conheci a minha psi e esta, ao se formar, continuou o tratamento por um preço realmente baixo. Oficialmente era para ajudar na minha saga contra a obesidade sob uma ótica psicológica, dica do meu irmão número 3, mas adolescente tem tanta coisa para tratar que eu hoje acho que a obesidade se tornou um tema marginal. Das vezes que foi trabalhado o tema lembro que ela dizia que sempre que "só dependia de mim", tão bonito quanto vago. Nunca a vi questionar os métodos que os médicos usavam para atacar o problema que, curiosamente, também era dela. Mas, como ela mesma martelava, "só dependia dela".

Uma vez eu fui numa casa em Araras, distrito de Petrópolis, e conheci uma psicóloga nordestina que estava no Rio para participar de um congresso de uma linha da psicoterapia que eu não lembro qual era o nome. Normalmente os nomes de linhas psicoterápicas são pomposos e enigmáticos para um estudante de engenharia, mas era algo que de certa forma pregava um tratamento mais rápido que o convencional. De certa forma eles criticavam a linha psicoterápica que eu fazia. Não sei como a conversa chegou a este ponto, provavelmente porque eu disse que fazia terapia para tratar o meu excesso de peso, mas ela estufou o peito e disse:

- Eu te ajudo a resolver esta obesidade em 6 meses.

Profundo e convincente nos 2 segundos que durou entre a frase de efeito e a tragada num cigarro fedorento. Para mim, psicóloga que fuma é como personal trainer gordo.


A jornada 1: A saga que ainda não terminou

Quando o meu pai morreu, em 1978, o meu irmão mais velho, então com 26 anos, se tornou naturalmente o arrimo da família - descobri esta expressão, anos depois, se não me engano, num edital de concurso de admissão para uma escola militar. Era a única pessoa que a minha mãe dava ouvidos.

Um dia, provavelmente num final de semana, em 1984, ele parecia estar particularmente aborrecido com algo, talvez fruto do stress natural da profissão de jornalista, e, ao me ver passar pela sala, deu um tremendo e longo esporro por causa do meu peso. Lembro da cena, do medo, do constrangimento, da vergonha, da culpa. No entanto não lembro do texto, exceto uma parte que ele profetizava a dificuldade de arrumar emprego e, caso fosse demitido, de me recolocar no mercado de trabalho. Acho que ele estava se vendo em mim, e temia o meu futuro baseado no seu duro presente. Até hoje eu morro de medo de ficar desempregado e da miséria. É um fantasma, embora, nesses quase vinte anos trabalhando, nunca senti o fel da demissão.

Minha mãe levou-me a uma endocrinologista em Cascadura, bairro do subúrbio do Rio de Janeiro perto de Madureira. Nada surpreendente, mas inesquecível pela primeira vez. Me pesou (acho que ficou um pouco surpresa com o valor de 115kg que a balança Filizola indicava), pediu exames de sangue e depois passou uma dieta hipocalórica convencional. No primeiro mês eu perdi oficialmente 6,5kg. No segundo mês não lembro e no terceiro mês acho que engordei. Outro esporro, medo, constrangimento, vergonha e culpa.

Nesses quase trinta anos e muitos profissionais de saúde depois acredito que pouco mudou. A médica de Cascadura ainda clinica, surgiram novos remédios, a metodologia de avaliar a obesidade agora é o Índice de Massa Corporal, venenos como o abacate atingiram o posto de santos. Mas eu continuo olhando os médicos e vendo-os como a médica de Cascadura.

De 1984 até 1996 eu praticamente não fui a médicos para tratar desta doença, exceto uma época que eu me tratei no sistema público de saúde e fui acompanhado por uma nutricionista. Muda a expecialidade, mas o mantra hipocalórico que fracassou da primeira vez foi novamente proposto. Como é previsível, emagreci, engordei, mas não fui humilhado ou constrangido. Norma, a nutricionista, um doce de pessoa, não escondeu a frustração: "Você estava indo tão bem". Vergonha e culpa. Acho que cheguei a 104,5kg antes de voltar a engordar.

Não sou um homem de fugir das minhas resposabilidades e das consequências dos meus atos, mas pela ótica da ciência, se um método fracassa com a maioria das pessoas - e a dieta hipocalórica fracassou com a maioria das pessoas que eu conheço - o problema pode e deve estar na dieta, e não na pessoa que faz a dieta. Parece óbvio. Se um mecânico aplica um método para consertar um carro e este método falha na maioria das vezes, o problema está provavelmente no método ou no mecânico e não no carro. Mas a medicina não funciona assim. Ela se diz ciência, mas os médicos não aceitam ser questionados por quem não é do ramo e muitas vezes se apegam a dogmas sem nenhuma base científica. O resultado são pacientes desesperados, desistêntes, com sentimentos de culpa e revistas de dietas loucas.

"Emagreci 45kg com a dieta do chá africano"

Por volta de 1996 eu entrei em Furnas e passei a ter um plano de saúde maravilhoso. Voltei a tratar a minha doença e a médica escolhida lecionava numa faculdade de medicina e por isso estava sempre bem informada. Virei de certa forma um laboratório vivo a experimentar os mais diversos tratamentos com base... na dieta hipocalórica, porém com inovações: fui a primeira pessoa que eu conheço a fazer a dieta dos pontos, a tomar Cloridrato de dexfenfluramina ("Redux" ou "Isomeride" que posteriormente foi proibido no Brasil) e Sibutramina. Acho que fiquei tratando-me com esta médica até 2004 ou 2005. Neste tempo conheci a Luiza (acho que com 112kg), casei com a Luiza (acho que com 118kg) e sou muito feliz, a despeito da pressão da sociedade em vincular obesidade com infelicidade. Numa das últimas consultas com a médica-professora, depois de muito tempo sem aparecer e alguns quilos a mais, eu disse: "Nunca estive tão gordo, nunca estive tão feliz!" e acompanhava o seu olhar cético.

Mas, no fundo, eu sempre achava que um dia eu iria descobrir uma forma de emagrecer que fosse possível, que fosse de execução relativamente fácil e que tornasse uma pessoa normal. Eu procurava um Santo Graal das Dietas, um Ovo de Colombo. Em 2001 o Santo Graal parecia ser a cirurgia de redução do estômago.


segunda-feira, 22 de abril de 2013

Grua e gorda

Compramos a máquina fotográfica nova. Ainda estamos nos adaptando e conhecendo os seus recursos. O mais difícil está sendo acostumar-me com o vermelho quase vinho do corpo. O que a gente não faz para economizar uns tostões? Sim, porque a promoção era para máquina com o corpo vermelho. Acho que ninguém quer uma que não seja preta ou prateada. Influência da indústria automobilistica, só pode ser. O vermelho, que deveria ser fashion, virou indesejado por ser diferente.


A vida em preto e branco...






No sábado, 20 de abril, fomos ao Via Parque comprar os ingressos para o Disney no Gelo, mas rolaram uns contratempos e acabamos não comprando, deixando para depois, quando estiver disponível nas bilheterias do Maracanãzinho.








Enquanto isso o meu sobrinho foi ao Barrashopping com a namorada. Deixamos a Mariah com o Pedro no parque de diversões localizado no segundo andar do Via Parque para eles brincarem um pouco. Aproveitei para tirar umas fotos naquele ambiente colorido e lúdico. Em dado momento eu vejo o Warly, pai do Pedro, jogando naquelas máquinas de grua que até uns anos atrás empesteavam quase todos os botequins de subúrbio. A mais famosa era uma tal de "Neo Carnival", que eu sempre achei mais difícil porque a garra só tinha duas pinças.

Se eu morasse numa casa com quintal grande...


Com o hobby do pinball eu conheci muitos operadores de máquinas de grua. Quem operava fliperama, operava máquina de grua e sonhava em operar caça níqueis. No linguajar do ramo, operador é o dono da máquina. O dono do botequim normalmente entra no negócio com o espaço físico e a energia elétrica, ficando com um percentual do faturamento.

Quase todo operador é chorão e se acha técnico. Nomalmente não entende nada de eletricidade e eletrônica, mas tenta consertar as máquinas para economizar. Como alguns defeitos são simples e de ordem mecânica, ele consegue uma taxa de sucesso relativamente boa. Alguns, inclusive, sabotavam a máquina, diminuindo a força das pinças. Em certos casos a fraude era tão grande que era simplesmente impossível pegar o bichinho de pelúcia. Acredito que foi isto o principal motivo destas máquinas rapidamente terem caído em descrédito e desuso.

Sabendo disso, eu nunca brincara com uma máquina dessas. Ninguém quer ser roubado e simplesmente olhando uma máquina não é possível descobrir se foi ou não adulterada. Eu li uma vez uma reportagem no jornal em que adolescentes davam dicas: tinha que pegar pelo corpo e não pela cabeça e o bichinho não poderia estar "enterrado" ou preso nos outros bichinhos. Dicas absorvidas, jamais aplicadas.

Diante do fracasso do Warly e o ócio, pequei uma ficha e tentei na máquina ao lado. A sorte de principiante realmente existe. Não peguei um, mas dois bichinhos de pelúcia. Pedro pediu loco o sapo. Ficou para a Mariah o dinossauro (ou seria um dragão?).



Na saída fomos buscar o João e a Brenda para comer pizza. Na pizzaria, quando quase estávamos terminando, entrou um casal. A mulher era gorda, com um vestido longo, até o pé. Nem reparei no rosto dela. Nem perceberia o casal se ela não fosse tão gorda. A história terminaria aqui se eu não visse um casal adolescente de namorados pegando o celular e tirando fotos da mulher. O namorado repreendeu, mas não pareceu ser pelo ato em si, mas por medo da vítima perceber e o casal criarem uma confusão.

Que sociopatia é esta que as pessoas tratam seres humanos como bichos de circo, como animais de zoológico que merecem ser fotografados e enviados para Facebook, Instagram ou qualquer outro instrumento de exibição? Se o casal fosse anão ou negro e a namoradinha fotografasse acredito que todos, hoje, repudiariam energicamente, porém fazer o mesmo com uma pessoa gorda parece não ter problema algum. É a Mulher Gorda do circo que voltou, desta vez na vida virtual de todos nós. Estava impresso no rosto e nos olhos da namoradinha o deboche e a diversão a cada clique do corpo que excedia a cadeira, como se fosse um transbordamento.

Tudo isso me lembrou da Haley Morris-Cafiero e seu projeto de mostrar como as pessoas reagem ao ver um gordo. A vida virou uma grande grua de pegar bichinho e quem está dentro da máquina esperando ser içado são todas as pessoas que fogem do padrão imposto. Acho que é por isso que a minha esposa me chama de Ursinho.


terça-feira, 9 de abril de 2013

Gelo seco

Ano passado eu estive em Manaus, AM, a trabalho. A empresa que eu visitei fica no antigo Polo Industrial, perto do onipresente encontro das águas.

Foi uma sensação estranha, pois as fábricas manauaras não são como as que eu estou acostumado: são simples galpões enormes. Não há caldeiras produzindo vapor, torres de destilação, subestações enormes abertas exibindo pujantes barramentos que distantes parecem uma teia cinza deitada. Não vi muitas pessoas andando na parte externa das plantas. As unidades industriais de Manaus são basicamente montadoras e o processo não consome muita energia nem muito vapor.

Eu pensei em tudo que passou na minha mão fabricado em Manaus. Pura nostalgia e melancolia.

- Onde era a fábrica da Sharp ?

- Fechou.

- Eu sei, mas onde ficava ?

- A gente vai passar perto.



Todo mundo querendo ver o acasalamento do Rio Negro com o Solimões, exceto eu, que me preocupo com o destino da fábrica da Sharp, da Evadin, da Telefunken e de todas as outras indústrias eletrônicas que carimbavam no painel traseiro o pássaro voando com a inscrição Produzido na Zona Franca de Manaus - Conheça o Amazonas. Eis-me aqui.

Do motorista só recebo tédio de alguém que entende bem como o princípio da seleção natural de Darwin se aplica plenamente à plantas industriais.

Na época do FHC a Zona Franca de Manaus perdeu o status e se transformou simplesmente em Polo Industrial. As importações já haviam sido liberadas no governo Collor e a cidade entrou em decadência. É possível perceber no centro, onde as pessoas aproveitavam para comprar produtos importados como se estivessem em outro país. O problema é que Manaus é inviável economicamente: uma Atlântida Florestal no meio do nada além do encontro das águas e energizada em grande parte por combustíveis fósseis.

O entediado diz que o governo Lula criou incentivos fiscais e a cidade está em processo de recuperação. Perguntei se era possível comprar produtos mais baratos diretamente na porta das fábricas e recebi um não. Imaginei uma moto entrando como bagagem no avião...

Ai eu lembrei que em Coelho Neto tudo era mais sofisticado e evoluido! Em Coelho Neto os meninos que vendiam picolé na rua conseguiam gelo seco diretamente da fábrica que funcionava ao lado. Para nós, crianças, gelo seco só servia para manter o picolé congelado na caixa térmica. Anos depois descobrimos que era usado também para ser colocado no caldeirão da bruxa nos filmes de Os Trapalhões e produzir aquela fumaça branca, densa e pesada.


Nada como ter vivido em um bairro de vanguarda.



segunda-feira, 8 de abril de 2013

Serviço remunerado

Há poucos dias o Congresso aprovou uma lei que amplia os direitos das domésticas. O assunto conseguiu mais exposição da mídia que merecia e, como as redações estão tomadas por mulheres, o viés foi bem curioso. Olha só a capa da Veja:

Um homem, supostamente um executivo ou um funcionário de escritório que antigamente era chamado de "colarinho branco", lavando louça. A ideia é clara: divisão de tarefas do lar.

Algumas matérias falavam da necessidade do aumento de creches e asilos públicos, além da implantação de escolas públicas em horário integral, como no O Globo de ontem (07 de abril de 2013), mas a maior parte da mídia se concentrou em divisão de tarefas.

"Queremos homens colocando roupas na máquina de lavar, limpando banheiro e passando roupas!"

Se a divisão de tarefas é tão importante para as mulheres por que não virou pré-requisito para casar? Acho estranho que este tema não tenha sido debatido durante o periodo pré-conjugal. Se não entrou, a omissão foi um ato silencioso de concordar em não dividir as tarefas domésticas.

"Só caso se você se comprometer a lavar a louça"


Sim, existem homens que ajudam muito em casa. Este cara sou eu.

(Uma vez uma fã disse que eu era "o marido, o pai e o genro que toda mulher gostaria de ter". O pavão abriu a pluma. Parecia o antigo símbolo da NBC).



O que a mídia não lembrou é que este trabalho doméstico é remunerado. Pergunte à qualquer mulher: "Por que a mulher se aposenta antes do homem, mesmo tendo expectativa de vida maior?" e ela sempre responderá que é para "compensar a dupla jornada". O que elas chamam de dupla jornada é a suposição que toda a mulher que trabalha é casada e faz todo o serviço sozinha quando chega do trabalho. Por esta lógica, quem sempre teve empregada doméstica não deveria ter aposentadoria 5 anos antes. Tampouco quem sempre morou com os pais e nunca lavou uma louça.

Ao argumentar que a aposentadoria precoce (em relação aos homens) é para compensar a dupla jornada as mulheres estão automaticamente justificando o machismo e a posição do homem que não faz nada em casa. Já presenciou alguma feminista propor o fim da aposentadoria precoce para as mulheres? Eu nunca vi.

Mas esta aposentadoria tem um custo e quem paga é toda a sociedade! Sim, existe, por exemplo, um imposto chamado COFINS que é pago indiretamente por todos nós. Se as mulheres vivem mais, o certo seria que elas contribuissem mais com a Previdência Social ou se aposentassem mais tarde. É assim que funciona na Previdência Privada, que está se lixando se a mulher tem ou não dupla jornada.

Simulei um plano de previdência privada vinculado a um dos maiores bancos do Brasil. Disse que tinha 41 anos e que queria contribuir por mais 30 anos e estava disposto a depositar mensalmente mil reais. O simulador do banco me ofereceu uma remuneração média de 8% ao ano (delírio que só otário acredita). Aos 71 anos, nesta simulação, eu receberia mensalmente os seguintes valores:

Se eu fosse homem: R$ 8.628,65
Se eu fosse mulher: R$ 7.768,34

As mulheres receberiam 7,4% a menos neste banco.

Não fiquei satisfeito fui agora em um outro simulador. Novamente um plano vinculado a outro banco gigante. Mantive os parâmetros da simulação anterior na medida do possível, pois eles não são totalmente idênticos. Novamente disse que tinha 41 anos e que queria contribuir até os 71 anos e que a minha meta era embolsar R$ 8 mil por mês. Nestas condições:

Se eu fosse homem eu teria que depositar todo o santo mês R$ 1.669,27

Se eu fosse mulher eu teria que depositar todo o santo mês R$ 1.951,18

As mulheres teriam que pagar aproximadamente 17% a mais para ganhar os mesmos R$ 8.000,00 por mês aos 71 anos.

Procurei um lugar para informar ao simulador que, como mulher casada, tenho dupla jornada porque o meu marido não faz nada em casa e ainda deixa a toalha molhada na cama, mas não foi disponibilizado este recurso ou eu não o encontrei no simulador on line.

Agora deixa eu terminar este post pois tenho uma pia cheia pratos para lavar.

terça-feira, 5 de março de 2013

Inferno Astral II

Dia 21 acaba.

Drama 1:
Final de semana a Luiza, lavando a louça, quebrou a jarra da cafeteira elétrica novinha. E a sogra_1 bebe café toda manhã. Lá vou eu dar uma de MacGyver: pego um pequeno recipiente e coloco no lugar da jarra. Só que a cafeteira tem uma maldita válvula corta-gotas e eu tenho que ficar o processo todo empurrando a válvula com um garfo.

Telefonei para duas autorizadas da Arno. Uma não tinha a peça e a outra tinha por 45 reais. 45 reais por uma jarra de cafeteira chinesa? Fui na Casa & Vídeo e aproveitei a Liquidação Maluca e comprei uma cafeteira Mais Você da NKS que também é importada da China por 39,99 reais. No ônibus pensei na possibilidade de, sendo feitas na China, talvez fossem compatíveis. Batata! Fica a informação: a Jarra da Cafeteria NKS Mais Você de 14 xícaras funciona perfeitamente na Cafeteira Arno Perfectta de 12 xícaras. Agora vou desmontar a cafeteira NKS e aproveitar as peças.

Observem o tamanho desta fábrica de eletrodomésticos:





Drama 2:
Como retorno a um "Bom dia" pelo celular sou informado que a máquina de lavar não estava bombeando a água para fora. Defeito: motor da bomba emperrado depois de 12 anos de bons serviços. Limpei o motor e agora está tudo funcionando perfeitamente. Antes de retirar o motor da bomba da sua carcaça plástica eu recomendo fortemente que seja marcado com uma caneta de retroprojetor a posição do conjunto. Demorei um tempão para achar a posição correta na remontagem.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Inferno astral

Acabou o meu Inferno Astral, mas o da minha mulher começou na quinta-feira. E foi por volta desta quinta-feira que me avisou que o celular dela estava descarregando rápido. Não dei muita atenção pois não sabia que seria tudo tão rápido.

Domingo ajudamos a Mariah no dever de casa. Foi o primeiro de muitos que virão. No meio da tarefa, sobre a mesa, Luiza reparou que o celular dela foi desligado. Na verdade ele moooooooooorreu. Abri suas vísceras e a bateria estava liberando o eletrólito interno e molhou o aparelho por dentro. Limpei o que foi possível, troquei o chip para ela usar o meu e agora vou catar uma nova bateria.

ATUALIZAÇÃO: comprei a bateria por R$ 20 e o celular está funcionando perfeitamente. Acho que exagerei um pouco na força dos astros.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Prioridades

Sempre disseram que o inferno astral da pessoa começa sempre um mês antes do aniversário e termina no dia do aniversário. Deve ser verdade, tenho observado uma onda de azar em cima de mim sempre nesta época. Ainda bem que acaba amanhã, mas a minha máquina fotográfica quebrou.

Até que durou muito, visto que compramos em 2005 para a viagem à Espanha. Hoje em dia tem aquele conceito que inicialmente era contábil e virou um mantra do consumismo despudorado: "Já se pagou".

Bem, esta foi a máquina fotográfica número 3. A número 1 eu comprei ainda solteiro, no ínício do Plano Real (1994), quando desaguou no mercado brasileiro umas cameras russas. A Rússia foi a nossa China naquela época.

E o Newtinho comprou uma Zenit 122K. O K era porque era compatível com objetivas de encaixe baioneta da Pentax. Era um típico produto russo: design medonho, pesada, mecanismo duro, mas os sistema ótico era maravilhoso. As fotos ficavam lindas, bem melhores que as números 2 e 3.



A qualidade geral da máquina deixava a desejar. O parafuso que prendia a alavanca do avanço do filme soltava sozinho com o uso. De nada adiantava apertar até tentar sair suco de parafuso. Um dia ele caiu e eu não vi e perdi o parafuso e, com isto, a capa de plástico da alavanca não ficava presa e sem a capa de plástico o ato de avançar o filme era doloroso. O segundo problema era o fotômetro. A máquina era toda manual e para avisar que a quantidade de luz era a ideal existia um fotômetro embutido. Fotômetro russo: três leds, dois vermelhos e um verde no meio. Em pouco tempo um dos leds vermelhos parou de acender e o ajuste ficou mais dífícil.

Doei a Zenit para o meu professor de hidroginástica. Sim, como bom E66.8 de classe média já fiquei correndo na piscina sem sair do lugar como um ramster aquático.

A máquina número 2 foi comprada em 1996. Uma Canon EOS5000, um modelo maravilhoso que nos deu muitas alegrias, embora não tivesse ajuste por prioridade de abertura, só por velocidade. Foi encostada pela obsolescência pois era analógica, no entanto até hoje a temos guardada com muito carinho.



A número 3 foi uma Olympus D-435 simples. Os 5.1Mpixel soam quase como um deboche, mas por que eu trocaria por um modelo melhor e mais moderno se ela estava funcionando bem? A única coisa que nos incomodava era o display pequeno.



Mas um recurso que sempre me incomodou nas digitais simples foi a ausência de regulagens como as analógicas. A maioria oferecem configurações padrão ("Neve", "Esportes", "Retrato", "Paisagem" etc.). para o usuário amador e médio. Para quem teve o gostinho de uma analógica na mão isto era de doer! Eu queria voltar a fazer fotos com baixa profundidade de campo para poder borrar o fundo (sem duplo sentido, por favor).

Foto com baixa profundidade de campo: repare que os atletas estão focalizados, mas a torcida não
 Depois de muita pesquisa e quase desistência eu descobri uma Canon por menos de 500 reais que apresenta as prioridades de velocidade e de abertura. Para quem estiver interessado, é a SX150 embora eu aviso que só pesquisei e olhei o manual on line e nem sequer toquei na máquina. Depois do rombo da obra uma máquina fotográfica não está entre as nossas prioridades.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Cabeça de Turco - comentários

Um dia, após um cineminha, bem antes da Mariah nascer, eu e a Luiza fomos a uma livraria que ficava em frente. Um livro exposto me chamou a atenção, mas eu não comprei: "Cabeça de Turco". Ele entrou na fila dos livros que eu um dia leria, junto com "Baile de Máscaras" e 'Miséria à Americana". Adoro mundo-cão.

Ao voltar de férias eu achei o "Cabeça de Turco" num sebo e comprei por R$ 10,00. Um bom negócio, a despeito do estado meio nojento do exemplar. Não considere as letras seguintes como uma resenha. São apressadas reflexões antes que eu esqueça o conteúdo.

Depois de tanto tempo a seco, preciso lubrificar o estilo e peço um pouco de tolerância neste aspecto.

Alemanha.
1983.

Depois de anos de prosperidade, a nação enfrenta uma forte recessão e desemprego. Nos anos de bonança, milhares de imigrantes chegam em busca de trabalho. A maioria turcos pois o país enfrenta uma forte ditadura. O turco é o latino dos Norte Americanos e ou boliviano das confecções clandestinas de São Paulo. É a mão-de-obra barata, em muitos casos escrava, longe dos seus vínculos e perto das humilhações e preconceitos.

Neste cenário Günter Wallraff escreve "Ganz unten" ("Cabeça de Turco", da Editora Globo). Wallkaff se disfarça de turco e passa dois anos vivendo como tal no melhor estilo de jornalismo investigativo. Trabalha de caseiro numa fazenda, funcionário do McDonalds e cobaia humana da indústria farmacêutica. Mas o que recebe maior atenção na obra foi a experiência como trabalhador terceirizado numa siderúrgica.

Como (quase) todo livro-denúncia, a obra é chata de ler, ousaria dizer que é mal escrita. Ou mal traduzida. O contexto parece ser bem distante do nosso, mas o tema não. Eu lia e não parava de pensar nos mexicanos e bolivianos, embora os turcos possuam uma maior distância cultural dos alemães que os mexicanos dos norte americanos. A idade da obra incomoda pela atualidade do relato, pela insensibilidade dos que estão com o poder e com o dinheiro. É quase uma psicopatia.

Paralelamente a isto, o autor ainda nos pincela com a saudade de alguns alemães do nazismo e dos seus símbolos humanos Hitler e Mengele.

Repare que a Editora Globo foi cordial: não só mudou o título do livro como alterou a capa, talvez para preservar a siderúrgica alemã dos que não lerão o livro. Compare:

Capa original alemã: na cabeça imunda de Wallraff um capacete com um símbolo bem familiar. Ao fundo, a fumaça da siderúrgica.
Primeira versão da Editora Globo: aumentaram o contraste e a sujeira no rosto não é mais tão evidente. Somem o capacete com a logomarca e a siderúrgia ao fundo.

Versão atual do livro. Wallraff sai de cena.


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Deixem a Veja em paz

A Carta Capital não é tendenciosa?

A Caros Amigos não é tendenciosa?

Por que só reclamam de revista de Direita tendenciosa?

Aliás, tu achas mesmo que as revistas de informação da geração anterior não eram tendenciosas (Cruzeiro, Manchete etc.)?

A única que eu tenho certeza não era tendenciosa era a "Ele & Ela". Inclusive havia um maravilhoso suplemento chamado "Fórum" con histórias veridicamente inventadas:

 " "Estava eu passando pela rua quando me deparei com uma loura escultural, seios fartos, coxas grossas e bumbum arrebitado (....) e nunca mais a vi! (...) Se você está lendo este relato saiba que foi maravilhoso!"
(Adão, São Paulo)."


domingo, 9 de dezembro de 2012

Para amenizar o calor

Eu sei que ninguém vai acreditar, mas acabei de tomar uma Moet & Chandon gelada num balde de químicos para piscina.

As fotos falam por si:



terça-feira, 20 de novembro de 2012

Desesperado

Ontem eu tive que ir em Juiz de Fora a trabalho. Viagem do tipo bate e volta, sem pernoite. O carro passaria para me buscar às 6h e eu pedi à Luiza para botar o celular dela para despertar às 5h. No meio da madrugada parecia que existia um compressor de aquário no meu estômago. A cutucada surgiu forte e eu fui ao banheiro. Fiz tudo no escuro para não despertar e na volta preferi não olhar o relógio para não desesperar. Deito na cama, aliviado mais ou menos.

- Newton, são 04:30h...

Não deu tempo nem de lamentar. Novas borbulhas e novas cutucadas. Volto ao banheiro. Diarréia. Mesmo assim eu me arrumo e olho a rua pela varanda no exato momento que chega o carro. O danado está cinco minutos adiantado. Entro no carro e aviso ao motorista sobre compressores de aquário e cutucadas e digo que se não melhorar até a busca do terceiro passageiro eu volto para a minha casa.

O motorista corre para Copacabana num trânsito ótimo de uma segunda-feira por muitos enforcada e entra na Toneleiros. O espanhol entra. Juan Pablo, a testemunha do meu rosto abatido.

- O GPS não está achando esta tal de Travessa dos Tamoios.

- Digita só "Tamoios", num tom de quem já apanhou muito de navegador GPS. Para falar a verdade, eu nunca tinha ouvido falar em Travessa dos Tamoios. Fica no Flamengo.

- Achei.

Por um milagre de Nossa Senhora de Copacabana o compressor desligou. Estava me sentido tão aliviado. Entra a Priscila.

- Pode ir à Juiz de Fora!- Foi só falar que o compressor liga de novo. Por sorte, a Priscila, como todos nós, não tinha tomado café da manhã e sugeriu a Casa do Alemão. "Desativarei a bomba relógio no banheiro do Alemão", pensei.

Como era de se imaginar, o percurso aterro do Flamengo / Perimetral / Linha Vermelha / BR040 durou uma eternidade cruel, mas logo após a REDUC vemos o meu oásis intestinal. O carro diminui a velocidade e começa as manobras para estacionar. A cutucada está cada vez mais forte e abusada, mas tudo bem, dentro de cinco minutos estarei livre, leve se solto.

Neste instante a Priscila acorda do cochilo e diz:

- Moço, eu prefiro aquela Casa do Alemão que fica na entrada de Petrópolis.

sábado, 10 de novembro de 2012

Orgulho familiar

Esta semana descobri que no Google Livros tem várias edições da revista PLACAR, da editora Abril. Digitei o nome do meu irmão #1 e apareceram várias matérias.

Deu vontade de chorar quando eu vi uma capa em especial: ele cobriu o campeonato mundial de basquete de 1986 e, a partir do momento que embarcou, a minha falecida mãe toda a semana comprava a revista para ver se publicaram alguma reportagem dele. Um dia saiu uma longa e bem escrita matéria de cinco páginas (!!!) na revista.

Todos os irmãos mais novos da família Trololó devem a ele um futuro melhor.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Obama Gonzalez

A derrota republicana mostra claramente a latinização dos Estados Unidos. Está nos mapas de apuração: quem elegeu o Obama foram os descendentes de latinos não-cubanos. A mensagem e a ideologia dos republicanos espelham uma colonização britânica e protestante. A cultura latina espelha uma colonização ibérica e católica. Como diria a Bruna Surfistinha, não iria rolar uma química mesmo. A maior prova deste fato é que, por aqui, até jornalista de direita torce por Obama.

O republicano prega o Estado mínimo, o latino quer que o Estado cuide dele. O republicano quer tirar impostos das empresas e dos ricos, o latino não liga se aumentarem os impostos, desde que ele não pague a conta. O republicano acha que fábricas falidas e mal administradas devem quebrar, o latino acredita numa relação afetuosa com as empresas e o apoio do BNDES à indústria nacional. O republicano acredita na impessoalidade e no mérito, o latino ama as relações pessoais e a influência em benefício próprio. O republicano é individualista, mas respeita os direitos coletivos, o latino diz que os outros é que são egoístas e faz este discurso enquanto suja as ruas, coloca som alto e muito mais.

Os EUA é uma terra de imigrantes: ingleses, irlandeses, italianos, indianos, judeus, portugueses. Todos se adaptaram relativamente bem à cultura norte-americana. O latino está conseguindo mudar o país por meio do voto silencioso.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Mudança de plano

Sábado a Luciana chamou as coleguinhas de classe de Beatriz para fazer um Chá de Bonecos. A proposta inicial seria simplesmente deixar as crianças no apartamento da família Trotta das 15h às 18h. Regras são regras, mas como aproveitar bem três horas de uma tarde de sábado?

Motel e churrascaria! Se passar um pouquinho do tempo a gente daria uma de João-sem-braço e buscaria a Maricota mais tarde. Maricota adora brincar com a Trotta mesmo. Motel dá fome e churrascaria tira a fome. Larica sexual. E assim foi até que mudaram o regulamento: as mães ficam.



Tudo bem, eu aproveito para estudar e dar um jeitinho na casa. Tinha até comprado alicate crimpador para colocar o sinal da TV a cabo no quarto e fazer uma surpresa quando a Luiza voltasse. Na sexta, já com o alicate na mão, telefona o Luiz Trotta:

- Vamos na CADEG com o Warly?



Warly é o pai do Pedro, que também iria para o Chá de Bonecos com a Mãe.

- Vai, Mô, vai se divertir. A mãe só se ferra mesmo, suspirou.


Como as coisas se transformam rápido por aqui. De sexo agendado com uma ex-loura para uma cerveja na CADEG. Na verdade antes iríamos para uma degustação de cachaça em Niterói - torcendo para que o temido Grande Balão Branco não aparecesse no caminho de volta -, mas o Warly se atrasou e fomos direto para a segunda parte.

Calor miserável, lotado e com uns portugueses comemorando numa transversal. Pelo menos tivemos a sorte de conseguir estacionar fácil e rápido. No sol.

Era uma loja que vendia cervejas especiais artesanais ou não e importadas. Umas mesas permitiam que você bebesse e não apenas comprasse. Acho que é uma tendência, porém nunca tinha feito degustação de cerveja. Depois de um tempo percebi que a loura magra que atendia tinha um sotaque estranho. Ela era dinamarquesa, disse que morava no Rio de Janeiro há dois anos e já estava falando muito bem a nossa língua. O que faz uma pessoa sair do paraíso para o inferno? Só pode ser o frio. O Trotta, fazendo média, pediu que ela sugerisse uma cerveja da Dinamarca e a garçonete apareceu com uma Faxe. Bebemos como uma fina iguaria.



Não quis cortar o barato do povo, mas em 1994, na época do Plano Real e do US$1,00 < R$1,00 esta cerveja era vendida na... Casas Sendas!



Ainda não coloquei o sinal da TV a cabo no quarto e sábado agora tem a forra, a Festa do Pijama no cafofo mais bagunçado da Tijuca. Desejem-nos sorte.


segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Dr. Clodomiro

Cena 1)
 A mãe de um amigo meu paga o plano de saúde D. O plano é ótimo, desde que o cliente não cometa o abuso e a indelicadeza de adoecer. A velha pega uma infecção urinária daquelas de chorrar de dor e precisa ser internada. Neste momento o meu amigo descobre que só há quartos disponíveis em clínicas nebulosas tão tão distantes da sua residência. "Por sorte" - disse o meu amigo - " O médico também clinica no hospital público municipal e sensibilizou-se com a minha mãe, conseguindou uma internação neste hospital".

Cena 2)
A empregada de uma vizinha está com uma doença e precisa de consultar com um endocrinologista. O plano de saúde dela, o M, é tão bom quanto o D e ela não consegue marcar a consulta. Neste momento uma outra vizinha dispara: "O meu pai é médico e trabalha no hospital federal. Conversarei com ele para ajudar a menina".

Cena 3)
Clodomiro da Ambulância trabalha numa empresa terceirizada dirigindo ambulâncias e a sua base de trabalho é um hospital público na Baixada Fluminense. Bem falante, trabalhador, amigo e comunicativo, Clodomiro tem um ótimo trânsito entre os funcionários do hospital, principalmente com os médicos. Nestes quase 10 anos trabalhando no mesmo local, Clodomiro consegue furar as filas de atendimento ambulatorial, exames e internação para a população pobre da comunidade onde vive. Graças a este serviço o nome de Clodomiro é um dos mais cotados para a próxima eleição para a câmara dos vereadores da cidade onde mora. No seu íntimo ele repete o mantra: "Se ganhar a eleição, vou roubar muito e fazer o meu pé de meia".

As três cenas são reais, preservando apenas os nomes dos protagonistas e dos planos de saúde. Como sempre, o preconceito com o pobre faz com que as cenas 1 e 2 sejam não só socialmente aceitas como estimuladas. O médico do município que fura a fila para uma cliente da rede privada se apropriar da vaga é visto como um santo. O Clodomiro da Ambulância é visto como um corrupto, um traficante de influência.

Não há, na essência, distinção entre os três casos. É tudo corrupção e tráfico de influência, fruto da nossa cultura que acha que o patrimônio público não tem dono e por isso precisa ser apropriado por alguém. Não faz diferença se quem se apropria é o médico ou o Clodomiro.

Quem fica de fora da festa é o pobre que não pode pagar nem o plano D, nem o plano M. Este deve ficar ordeiramente no seu sofrimento e se conformar em esperar 6 meses por um exame de sangue e 5 anos por uma cirurgia plástica reparadora. Demora muito por faltar médicos, materiais e leitos ou por furarem a fila?

Quando não dá para esperar aparece o já citado "Clodomiro da Ambulância" ou os seus congêneres: o "Jonas Lourival do Posto de Saúde" e o "Paulo Idelfonso do SUS". E estes se elegem, mas o problema é muito maior: é a falta de perecepção que eles e o médico do hospital público são corruptos e traficantes de influência.

Em 1986 o meu irmão #2 me colocou no curso Soeiro, um preparatório localizado em Cascadura, zona norte do Rio de Janeiro. Na minha turma quase todos queriam entrar nas escolas militares (EPCAR, ESPCEX e Colégio Naval) eu era o diferente, queria ser técnico em eletrônica. Na hora do intervalo eu vi um colega de classe bebendo uma Coca-Cola de garrafa de 290ml. Perguntei quanto custou e ele respondeu: "Um cruzado e noventa centavos." Hoje em dia poucos se interessam pela carreira militar e menos ainda se lembram que achávamos normal e salutar o governo controlar o preço de refrigerantes. O Brasil mudou. Quem sabe até 2036 a população não comece a achar errado furar a fila do hospital?

Em tempo: se o seu plano de saúde te deixa na mão, não fure a fila do hospital público, mas faça o certo: denuncie a administradora do plano de saúde à ANSS: 0800 701 9656.