"É a economia, idiota!"
Dizem que este foi o lema do marketeiro que cuidou da vitoriosa campanha do Bill Clinton para a Casa Branca. O otimismo da população e a bonança econômica permitem que sejam feitos determinados atos políticos que a gente em condições normais não entenderia. Como aceitar a tortura e a repressão comendo solta no governo Médici? Simples: o país estava passando pelo Milagre Econômico da mesma forma que estamos passando hoje.
A Dilma sabe disso. Ela sabe que tudo pode naquele fortalece e o que está a fortalecendo o milagre econômico atual é a China, que fez o favor de disparar o preço das matérias primas que exportamos como petróleo, soja e ferro. A redução da remuneração da caderneta de poupança seria políticamente inviável em qualquer outra época e a mudança das regras de aposentadoria dos novos servidores públicos nem gerou muito assunto na Internet. É o céu de brigadeiro.
Com o país crescendo a demanda por engenheiros cresce. Aí descobrimos que nos anos 90 e 2000 abrimos muitas escolas de direito e administração e poucas escolas de engenharia. Criar um curso de engenhraria é naturalmente mais complicado porque o curso exige laboratórios, além do fato de não ser tão fácil achar professores.
A demanda por engenheiros cresce na mesma proporção que a ilusão das pessoas com o ofício. Claro que existem ilusões com a medicina e qualquer outra profissão, porém só com a engenharia eu presencio esta uma mudança tão rápida na percepção das pessoas.
Mas hoje eu recebi um e-maiil de uma das listas de discussão que eu participo e consegui autorização do autor para publicar aqui. Não há edição, apenas alguns cortes na mensagem para filtrar só o que interessa ou preservar a privacidade das pessoas.
Para quem está prestando ENEM ou vestibular este ano, aqui está a realidade de um engenheiro eletrônico:
"Eu vejo assim, MSX, eletrônica, programação em
Assembly e C, cafeína.... São vícios, não consigo largar. Eu olho pra
minha cafeteira que custou 250 pilas e já fico imaginando um
controlador de temperatura e pressão nela..."
Comentário: igualzinho ao Newtinho, só que a minha cafeteira é bem mais barata.
"A minha escolha é bem racional. Acontece que após
todo esse tempo na iniciativa privada, eu não consegui me encaixar numa
empresa, num modelo, que me desse o retorno pessoal e financeiro
desejado."
Comentário: É difícil se encaixar bem em qualquer emprego.
"Hoje, ser funcionário público me proporciona
algumas benesses, como por exemplo um plano de saúde barato e excelente
e direito real de tirar os merecidos 30 dias de férias ao ano. Claro
que o trabalho burocrático e repetitivo é o ponto baixo. Mas, usando
uma pequena parte da minha "CPU" eu consigo ser um funcionário honesto
e excelente, e repouso todos os dias a cabeça tranquila no travesseiro,
sabendo que outros no meu lugar não fariam um trabalho melhor.
E o que sobra de CPU fica pra usar no tempo livre."
"Antes de reclamar do meu emprego atual, eu lembro que:
- Passei por 5 empresas e não me deixaram tirar férias em nenhuma delas
- Fui mandado embora, apesar de ter desempenho excelente, só
porque fizeram besteira em outros países e as ações caíram
repentinamente de $87 para $2...
- Tive que desenvolver o
software para um projeto com 4 MCUs [MCU é um pequeno processador] e 11 motores de passo usando o SDCC [SDCC é um software de programação gratuito] porque o sovina do meu ex-patrão, que estava construindo casa em
condomínio fechado, trocava de carro importado todo ano, e viajava com
a família pra Europa, não queria me comprar um compilador...
- Nesse projeto perdi 15 dias ouvindo abobrinha até descobrir que o SDCC não estava fazendo OR entre 2 bits corretamente...
-
Nesse mesmo projeto, originalmente eu ia interligar as 4 placas por i2C
e usar bibliotecas prontas mas aí o espertoman resolveu economizar 3
transistores e transformou uma das linhas em unidirecional, o que
obrigou a reprogramar e debugar todo o protocolo... mais um mês de
trabalheira...
- Durante uns 4 meses fiquei ouvindo que o software de acionamento
dos motores de passo estava bugado, e batendo cabeça porque o motor
perdia o passo, até que o infeliz viajou pra Europa e aí eu pude
desmontar a parte mecânica e finalmente descobrir que pra economizar
ele não tinha mandado fazer e colocar um espaçador de alumínio entre os
2 rolamentos do eixo principal. Os rolamentos estavam assentando tortos
e sobrecarregando o eixo...
- No outro projeto no qual trabalhei 1 ano, ele arrumou um
aparelho importado emprestado, o qual não podia ser aberto pois era
novo. Usando um MCU antigo, tecnologia de uns 15 anos atrás que ele já
tinha em estoque ele fez a placa e eu tive que me virar para copiar
todas as funções do aparelho original, que havia acabado de ser
lançado. Foi engenharia reversa sem ver o que tinha dentro. No final
consegui deixar a cópia exatamente igual a original importada, e como
sobrou um pouco de memória, acabei implementando funçoes extras. Como
sempre, o patrão estava reclamando da demora no projeto. Eu mandei um
e-mail pra fabricante original, dando um migué que era cliente e usava
os produtos deles, perguntando algumas coisas. Eles me responderam que
o projeto original ocupou uma equipe de 50 pessoas por aproximadamente
18 meses. Além de escrever o software, eu testei tudo e ainda fiz o
manual, traduzido para PT-Br [português] e com as figurinhas escaneadas do manual
original... Até hoje esse é um dos poucos produtos que tem um manual
completo e decente no site da empresa.
Mudei de empresa - pra ganhar um pouco menos, mas queria
sossego... Logo tava dando manutenção sozinho num código de 65.000
linhas do produto que representava 40% das vendas.
- Outro
projeto que desenvolvi com mais 1 engenheiro e mais 1 estagiário foi
vendido pela empresa por 6 milhões de reais, e ganhamos PLR [participação nos lucros] de 1,5
salário enquanto o vendedor além da comissão ganhou um bônus de 150
mil... Adivinha quem ficou dando suporte 2 anos depois sem ganhar nada
mais por isso.
- O último projeto, para o qual orientei a confecção da placa e
debuguei os protótipos. Sofri muito porque teve 6 versões de PCB [placa de circuito impresso, onde os componentes são soldados] . O PJ [pessoa jurídica]
que fazia as placas era "pelego" e protegido do diretor, e apesar dos
repetidos e consecutivos erros não era penalizado ou trocado - eu
requisitava as mudanças e ele não fazia ou fazia errado - e escrevi
todo o software começando de um arquivo vazio com void main { void }
foi vendido por 1,5 milhão e no final do ano a empresa fez uma manobra
fiscal pra ter um leve prejuízo e não pagar PLR pra ninguém... Nessa
última época eu era gerente, mas sem ter nenhum gerenciado. Eu tive que
acompanhar os malas do comercial, fazer todo o serviço de relatórios e
documentação pra ISO [acho que ele está citando a ISO-9000] do projeto, fazer o projeto, e até que acompanhar
implantação do mesmo em campo...
Por isso, se algum dia eu voltar a trabalhar para enriquecer alguém, esse alguém forçosamente será eu mesmo... :-)"